Laura Müller Machado

Mestre em Economia Aplicada pela USP, é professora do Insper e foi secretária de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo

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Laura Müller Machado

Reduzir a pobreza no Brasil não afeta a desigualdade

Para afetar a desigualdade, é necessário mudar a alta concentração de riqueza entre poucos

O dicionário diz que pobreza é falta, em especial, falta daquilo que é necessário à subsistência. Pobreza significa pouco, carência. Desigual, também segundo o dicionário, significa um estado de coisas que não são iguais entre si, é uma comparação.

Muitas são as memórias de fatias de bolos divididas desigualmente entre irmãos na infância. Enquanto pobreza é uma forma de se referir à escassez de algo, a desigualdade é uma forma de se referir à comparação de algo entre pessoas. Pobre é quem tem um pedaço pequeno do bolo, desigualdade é a comparação dos tamanhos dos pedaços entre as pessoas.

casa de palafita com roupas penduradas
Casa ribeirinha em Melgaço, na Ilha do Marajó; a cidade tem o pior IDH do país - Lalo de Almeida/Folhapress

Internacionalmente falando, o bolo brasileiro está muito mal distribuído. De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano 2021/2022, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Brasil é um dos países de renda mais desigual do mundo: ocupa o 14º lugar e divide a posição com o Congo.

No entanto, quando se trata de países mais pobres, o Brasil não está listado pelo Banco Mundial entre as situações mais graves e que serão foco dos fundos internacionais de pobreza nos próximos anos. Não somos destaque internacional em pobreza, somos em desigualdade.

Essa realidade novamente apareceu na Síntese de Indicadores Sociais de 2023 do IBGE: a pobreza foi a menor já registrada na nossa história e a desigualdade ficou estagnada. Qual é a característica do Brasil que nos coloca nesta situação? De acordo com o World Development Indicators, os 20% mais pobres do Brasil detêm 4% da renda total do país, enquanto os 20% mais ricos detém 57%.

A anatomia da desigualdade do país é de alta concentração de renda entre os mais ricos. Portanto, mudanças na alocação de renda entre os mais pobres não reverberam facilmente na desigualdade brasileira por conta da altíssima concentração nos super-ricos. Isso quer dizer que a redução de pobreza irá afetar pouco ou nada a desigualdade, como ficou claro nos dados do IBGE de 2023.

Para afetar a desigualdade, é necessário mudar a alta concentração de riqueza entre poucos. Quais são as implicações para a política pública?

Primeiro, as estratégias de combate à pobreza e à desigualdade para o Brasil precisam ser absolutamente diferentes. Todo o esforço de combate à fome e pobreza de renda terão impacto pequeno sobre a desigualdade pois ela decorre da grande concentração nos mais ricos. Apesar de frustrante, é importante lembrar que existe uma vantagem. Considerando que os ricos geram arrecadação e não demandam política pública e os mais vulneráveis precisam de política social, ter ricos é bom. No cenário de ausência de ricos que geram arrecadação, a situação ficaria ainda mais complicada.

Segundo, considerando que o governo brasileiro arrecadou de fato, com mais ou menos justiça tributária, R$ 11 trilhões em 2023, um enorme bolo, nos falta gastar com qualidade em prol dos mais vulneráveis o que já temos. Há recurso suficiente não para reduzir como em 2023, mas para zerar a pobreza.

Não nos falta volume, nos falta gastar bem, nos falta qualidade do gasto. Por fim, apesar de ser uma vantagem, não existe combate à desigualdade sem repensar a tributação dos mais ricos no Brasil. No entanto, seria justo ter imediatamente uma qualidade de gasto mais adequada, arrecadar mais para gastar de maneira ineficiente não é o que queremos.

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Comentários

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Helene Medeiros

Há 2 min

Tem ricos donos de grandes empresas. Pagam impostos altissimos, geram milhares de postos de trabalho e contribuem enormemente para a riqueza do pais como um todo. Nesse tipo de pais a infraestrutura é excelente, as escolas idem, a pesquisa idem. K Marx ja era.

Helene Medeiros

Há 15 min

Claro que é bom ter muitos ricos num pais. Conheco paises onde os ricos pagam muito imposto sobre a renda; esses impostos väo para os seguros sociais e sustentam os auxilios que sao dados aos necessitados. Ricos contribuem enormemente com o fundo de aposentadoria, que depois é distribuido igualmente por todos.

Cassio Vicinal

Há 20 min

A desigualdade no Brasil é agravada pela concentração de renda, pela estrutura tributária regressiva e pela distribuição desigual dos gastos públicos. Longe de serem independentes, os mais ricos são grandes beneficiários das políticas públicas, direta ou indiretamente. Uma reforma tributária séria deve enfrentar esses problemas estruturais; sem isso, qualquer ganho de eficiência e produtividade apenas aprofundará a concentração de riqueza, como já ocorre em países ricos e eficientes da OCDE.

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