Machismo no trabalho faz as próprias mulheres rejeitarem uma chefe mulher

A administradora de empresas Priscila Querubim, 39, já coordenava a equipe de vendas numa empresa havia 3 anos quando foi cogitada a ter um cargo de maior responsabilidade, mas foi preterida pela gerente: "Você não tem tanta disponibilidade por ser mãe, e a qualquer momento pode largar tudo por causa do seu filho", ouviu da pessoa na época. Fora que os próprios subordinados não gostaram da ideia, e ela escolheu se demitir.

São tantas barreiras de machismo a serem quebradas para a mulher chegar num cargo de chefia que quando consegue não tem nem tempo de comemorar: muitas vezes é rejeitada e desacreditada pelos demais, e até desiste, como aconteceu com a carioca, mãe de um menino de 10 e uma menina de 5.

E as mulheres estão mesmo conseguindo derrubar alguns muros: a pesquisa Panorama Mulheres 2023, elaborada pelo Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) e pelo Talenses Group aponta que o papel delas tanto na presidência de empresas quanto em outras posições de alta liderança no país saltou de 13% para 17% entre 2019 e 2022.

Mas aí vem a rejeição: levantamento sobre igualdade de gênero elaborado pela Ipsos aponta que 27% (quase um terço) dos brasileiros se sentem desconfortáveis quando a chefe é uma mulher.

Pelo mundo, a conclusão é a mesma. Índice de Liderança de Reykjavik, a primeira pesquisa mundial sobre a percepção da sociedade em relação a líderes, destaca que tanto homens quanto mulheres demonstram preconceito contra mulheres em cargos de poder.

No último relatório, lançado em 2023, houve uma queda de 7% no índice de pessoas que se sentem "muito confortáveis" com uma figura feminina sendo CEO de uma grande empresa, com a porcentagem caindo de 54% para 47%.

O documento reflete as opiniões de mais de 14 mil pessoas com idades entre 18 e 65 anos, nos países do G7 (Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos da América), bem como Austrália, Islândia, Indonésia, Polônia, Singapura, Espanha e Tailândia.

Outro estudo brasileiro bem recente, o Elas sobre elas, realizado pela MindMiners com 1.000 mulheres, corrobora os dados:

73% já foram questionadas se tinham filhos em entrevistas emprego;

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26% disseram ter sido dispensadas em entrevista de emprego após revelarem que eram mães;

19% foram dispensadas do emprego logo após se tornarem mães;

51% conseguem equilibrar tranquilamente a vida profissional e pessoal;

47% percebem uma desigualdade nas oportunidades de carreira disponíveis onde trabalham, sendo ocupadas mais por homens do que por mulheres;

43% dizem que há uma diferença salarial na empresa/área onde trabalham: mulheres ganham menos mesmo exercendo as mesmas funções;

37%, em algum momento da vida, já foram vítimas de assédio sexual no local de trabalho;

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29%, em algum momento da vida, já foram vítimas de discriminação de gênero no local de trabalho.

'Dá para responder no amor'

Para além de apontar a importância de se aumentar o número de funcionárias nas empresas, e em cargos importantes justamente para não haver esse tipo de preconceito que Priscila e tantas outras mulheres passam, há medidas possíveis a serem tomadas para que elas permaneçam nesses cargos sem tanta rejeição.

Fundadora e presidente da Mark Up, especializada em criar e implementar estratégias para melhorar o relacionamento entre empresas, Silvana Torres decidiu ter 55% do seu quadro feminino, e 76% líderes mulheres "para impor mais nossa voz".

A executiva, que também fundou e presidiu o Comitê de Empoderamento Feminino da Ampro (Associação de Marketing Promocional) e participa do programa EY Winning Women Brazil, que apoia empreendedoras do país, ensina ainda que além adotar postura de igualdade entre gêneros, também busca reunir diferentes gerações em seu quadro.

Temos diversas pessoas acima de 50 anos na equipe, e noto que há muito respeito e admiração, tanto dos mais jovens quanto dos mais velhos, que se mantêm atualizados nas tendências. Há um ambiente de acolhimento. Silvana Torres

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E tendo ou não essa equiparação etária e de gênero, não será no grito ou engrossando a voz que a mulher será bem aceita no posto, atentam as especialistas ouvidas por Universa. Para elas, promover o letramento sobre questões de gênero, o apoio mútuo entre as mulheres e valorizar o sucesso umas das outras ajuda a melhorar os índices.

Na avaliação de Rosana Marques, especialista em gestão de pessoas e diretora da Croma Consultoria de Recursos Humanos, uma boa alternativa é responder à rejeição com acolhimento.

Se a pessoa não dirige a palavra à chefe, e prefere até falar com algum outro homem, busque se intrometer na conversa de maneira amorosa, concordando, ou acrescentando algo que gera valor àquela conversa. A educação precisa ser com amor. Rosana Marques

'A gente está cansada de ver homem branco e hétero no poder'

A escritora Naíle Mamede, especialista em direito previdenciário, concorda e acrescenta ainda a importância de se delegar funções e dar responsabilidades a quem resiste à chefe. "Desta forma, não estou impondo, mas chamando essa pessoa para meu lado e mostrando que ela é importante para meu time e que eu preciso dela."

Leana Mattei, mestre em desenvolvimento e gestão social pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), atenta que a rejeição à mulher num alto posto profissional não existiria tanto se o percentual de público feminino dentro das empresas fosse equiparado ao populacional no Brasil, que é de 52%.

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Mas a questão também vai além dos números: é preciso haver programas de inclusão e ter uma política clara dentro das empresas, mostrando se de fato elas querem incluir as mulheres ou apenas melhorar o indicador. E dá para verificar isso vendo se elas têm um plano de carreira para as funcionárias, Leana exemplifica.

E investir muito no que a gente chama de letramento, tanto racial quanto de gênero, colocar o dedo nos nossos preconceitos. A gente está cansada de ver homem branco e hétero no poder. Não que eles não mereçam, mas é uma lógica que precisa ser visitada, porque o Brasil não é só isso. Leana Mattei

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