As mulheres que questionam o feminismo e defendem os 'direitos dos homens'
Influenciadores brasileiros ligados ao movimento masculinista furaram a bolha da internet e conquistaram milhares de seguidores nas redes sociais — entre eles, inúmeras mulheres.
É crescente a presença feminina entre grupos que advogam em favor do que a machosfera no Brasil chama de "direitos dos homens".
Elas questionam o feminismo e a eficácia de aparatos do Estado criados para assegurar seus direitos e proteção contra violência, como a Lei Maria da Penha.
Esse grupo de mulheres serve de porta-voz do movimento "red pill", que significa "acordar" e reconhecer que o "mundo real" estaria beneficiando mulheres na sociedade.
Nesse ecossistema, não é raro os comentários mais ácidos sobre as mulheres serem feitos pelas próprias mulheres — nem vê-las nos tribunais defendendo homens.
Elas fazem parte da tática
Mulheres com discurso antifeminista viraram presença recorrente em podcasts e vídeos de viés masculinista.
Parte dos seguidores homens vê a presença com desconfiança, mas logo elogiam as influenciadoras por confirmarem o viés misógino que caracteriza o masculinismo.
Dessa forma, influencers driblam eventuais riscos de "cancelamento" em plataformas como o YouTube e TikTok tendo suas narrativas corroboradas por mulheres.
"Não tem como usar Maria da Penha contra mim porque já sou mulher. Imagina um homem falando coisas que falo? Já teria perdido o perfil nas redes. Homens não têm autorização para falar o que pensam", diz Ináh Confolonieri, advogada especializada em "direito dos homens".
Questionar denúncias é estratégia
Ináh Confolonieri é uma das personalidades mais mencionadas pelos homens do universo "red pill".
A advogada publica vídeos com milhões de visualizações no TikTok e YouTube, advertindo homens a não se relacionarem com certos tipos de mulheres.
"O homem com mais de 30 anos tem três 'cês': carro, casa e carreira. A mulher tem três 'dês': divórcio, desemprego e dois filhos, um de cada pai, além de três processos na Justiça para infernizar a vida dos ex", afirma a advogada em vídeo de 2023, com mais de 300 mil visualizações.
Em meio a memes, piadas e bordões, integrantes do movimento "red pill" usam a estratégia de colocar em dúvida a veracidade de denúncias de violência contra a mulher, incluindo estupro e violência sexual.
Isso é constante em vídeos de influenciadores, especialmente quando pessoas famosas estão envolvidas, como forma de atrair engajamento.
Em outubro de 2023, um estudo feito pelo NetLab da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), apontou que o caso de Marcius Melhem, ex-diretor da TV Globo acusado de assédio sexual, foi efetivo em engajar a comunidade masculinista da internet.
A pesquisa analisou 77,9 mil publicações, em diferentes plataformas, e mostrou que uma das táticas mais fortes desse ecossistema é questionar a palavra das vítimas mulheres em casos semelhantes.
"Existe uma estratégia de desqualificação da palavra da mulher construída há milênios. Na narrativa de supremacia dos homens, qualquer movimentação em prol dos direitos das mulheres é vista como uma atividade vil", afirma Gabriela Souza, advogada feminista e professora, sócia da Escola Brasileira de Direito das Mulheres.
'Mulheres são vingativas'
Na visão de Jamily Wenceslau, advogada que atua na capital paulista, falsas denúncias de violência envolvendo clientes homens são a maioria.
A advogada começou a trabalhar com direitos dos homens em Rio Branco, no Acre, em 2016.
A maior parte dos casos defendidos pela advogada são de homens acusados de violência doméstica, via Lei Maria da Penha, e casos de direito de família envolvendo a guarda de filhos, pensão alimentícia e alienação parental.
A advogada cita um suposto levantamento do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) de 2017, sobre boletins de ocorrência registrados sob a Lei Maria da Penha, que apontou que mais de 90% dos BOs foram arquivados.
A pesquisa do CNJ, no entanto, não foi publicada, e a própria advogada disse não ter mais acesso ao levantamento.
O fato de boletins de ocorrência de violência doméstica serem arquivados sem denúncia não provam que as denúncias são falsas, entende a jurista Gabriela Souza.
A distorção de pesquisas, inclusive, é uma das táticas para descredibilizar a palavra de mulheres que denunciam agressores.
"Existe uma tentativa de deturpação. O pedido de medida protetiva não necessariamente gera um processo criminal, pois muitas mulheres se dão por satisfeitas quando o agressor as deixa em paz após a medida", explica.
Advogadas de homens não se consideram "red pill"
Apesar de as advogadas Ináh Confolonieri e Jamily Wenceslau serem regularmente citadas por influenciadores "red pill", elas afirmam não integrar o movimento.
Confolonieri diz não apoiar extremismos, mesmo com uma interação forte com outros membros do grupo.
"Eu não represento a comunidade. Minha visão é mais equilibrada. O conteúdo é para tocar na dor das pessoas. Mas a realidade não é mais preto no branco", diz.
A postura mais polêmica para atrair visualizações também se reproduz no offline. Confolonieri insiste que a maioria das mulheres quer explorar homens.
"A gente não sabe mais em um casamento heterossexual o papel do momento e da mulher, por causa do feminismo. A 'red pill' é um movimento que está vindo se opor ao movimento das mulheres."
Wenceslau também não se considera parte do movimento red pill. "Não acredito em extremismos", afirma.
O discurso de falsas acusações e o uso da Justiça para prejudicar o homem é muito mencionado pela advogada em seu canal no YouTube.
A advogada reconhece, entretanto, que a realidade fora de vídeos do TikTok, YouTube e podcasts masculinistas costuma se impor.
"Algumas mulheres são vingativas e usam a lei como retaliação. Quando aparece uma mulher no escritório, eu faço de tudo para não pegar o caso dela. Mas todas que vieram aqui eram diferentes. Realmente eram vítimas."
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