A casa às costas

“Na Turquia, chego ao restaurante e dou a chave a um senhor de farda e crachá. De repente, um tipo vestido normalmente arranca com o carro”

O avançado Sami, de 34 anos, jogou ano e meio na Turquia, antes de regressar a Portugal, onde ajudou o CD Aves a conquistar a Taça de Portugal, em 2018. Andou também por Omã, Malta e Croácia, mas a vontade de ficar perto da mulher e das duas filhas, em Lisboa, acabou por falar mais alto. Na II parte deste Casa às Costas fala-nos destas andanças, dos investimentos que faz na terra natal, como a exportação de vinhos portugueses, e confessa a sua paixão pela advocacia. Esta entrevista foi uma das mais lidas em 2023 na Tribuna Expresso

Alexandra Simões de Abreu

Antonio Pedro Ferreira

Quando lhe falaram na hipótese de jogar na Turquia torceu o nariz?
Sim. Não sabia nada da Turquia, depois, aquela ideia de ser um país muçulmano, mesmo sendo eu de um país onde existe uma comunidade grande de muçulmanos, não conhecia muito. A língua, o estar num país diferente, tudo isso criou alguma fricção, mas tive calma. O contrato oferecido também ajudava a enfrentar essa dificuldade.

Foi sozinho ou com a família?
Primeiro fui sozinho.

Como foi o impacto quando chegou?
Chegámos à noite, viajámos até à cidade onde ia ficar, Akhisar, mas não consegui ver muita coisa no trajeto. No dia seguinte, quando acordei, vi uma cidade atrasada, com algumas casas inacabadas, pessoas muito humildes, viam-se carroças a andar na rua, tudo um bocado atrasado.

Teve vontade de voltar para trás?
Não. Claro que pensava, será que o clube vai conseguir cumprir o contrato e vai pagar? Porque ouvia histórias de jogadores a quem não pagavam e criavam problemas. Mas, como estava o Custódio na equipa, já lá tinha estado o [Ricardo] Vaz Tê, estava o Douglão, o central brasileiro que jogou no SC Braga, eles ajudaram-me na integração e o clube surpreendeu-me. Depois percebi que a cidade ao lado, Esmirna, era espetacular. Acabei por ir viver para Esmirna.

O que achou do futebol turco?
Como têm capital, conseguem contratar jogadores com muita qualidade. Onde se nota mais diferença é taticamente. Os jogadores turcos têm qualidade, mas não são bons taticamente, por isso é que nos últimos 15/20 minutos dos jogos na Turquia, é bola cá, bola lá, o jogo quebra com muita facilidade. Mas individualmente há jogadores com muita qualidade. Facilmente o último pode ganhar ao primeiro. Lembro-me de uma vez em que estávamos a perder 2-0 em casa do Fenerbahçe e conseguimos empatar o jogo. Em Portugal é quase impossível uma equipa do meio da tabela estar a perder por dois golos no estádio de um dos grandes e conseguir empatar.

Como era o seu inglês?
Tinha algumas ideias, o básico da escola, mas não falava muito. Dava para desenrascar, pedir comida, falar com o tradutor do clube.

Que tal o treinador turco?
O primeiro, muito tranquilo e religioso. Parecia um padre, muito calmo, raramente dava um grito, o que é estranho num país como a Turquia, porque no ano seguinte apanhei outro treinador totalmente diferente, em que se ouviam bem os gritos [risos].

Com que opinião ficou dos adeptos turcos?
Fanáticos ao ponto de nos seguirem e tentar saber onde moramos.

Viveu algum episódio que mereça destaque?
Não, nada de especial. Eles queriam sempre era tirar fotografias, pedir autógrafos e oferecer chá. Mas nunca tive nenhum caso difícil. Também correu bem, fizemos a melhor classificação de sempre do clube. Se estivéssemos a perder seria diferente.

A sua mulher e filha foram ter consigo?
Sim, logo no primeiro ano. A minha mulher gostou muito, mas no início estava um bocado de pé atrás. Aliás, com ela aconteceu uma coisa engraçada que não aconteceu comigo, se calhar por terem ideia de quem eu era, mas ela, por ser mulher e negra, quando passeava na rua sentia-se muito observada, as pessoas ficavam a olhar para ela, mas nunca foi abordada diretamente.

O balneário era muito diferente do português?
Era. Os centros de treino têm quartos por cima dos balneários e a maioria das vezes eles equipam-se nos quartos e só descem praticamente na hora do treino. Mesmo após o treino, muitos sobem aos quartos e tomam lá banho, por isso, no balneário praticamente só estávamos nós, os estrangeiros.

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