quarta-feira, 9 0aio 2012
Há
quase que uma completa unanimidade entre economistas e comentaristas econômicos
sobre a inflação ser um aumento generalizado nos preços de bens e
serviços. Deste raciocínio, estabelece-se
que qualquer coisa que contribua para um aumento nos preços irá desencadear
inflação. Uma queda no desemprego ou um
aumento na atividade econômica é visto como um potencial gatilho inflacionário. Alguns outros gatilhos, como aumentos nos
preços das commodities ou nos salários, também são considerados potenciais
ameaças.
Se
a inflação é apenas um aumento generalizado nos preços, como acredita o senso
comum, então por que ela é considerada algo ruim? Que tipo de estragos ela faz?
Economistas
convencionais afirmam que a inflação gera especulações, o que por sua vez gera
desperdícios. A inflação, dizem eles,
também corrói a renda real de pensionistas e de assalariados de baixa renda,
além de gerar uma alocação errônea de recursos.
A inflação, argumentam, também solapa o crescimento econômico real.
Por
que deveria um aumento generalizado nos preços afetar apenas alguns grupos de
pessoas, deixando outros incólumes? Ou,
como a inflação leva a uma má alocação de recursos? Por que um aumento generalizado nos preços
debilitaria o crescimento econômico real?
Adicionalmente, se a inflação é desencadeada por fatores como desemprego
ou atividade econômica, então certamente ela é apenas um sintoma e, sendo assim,
não pode causar nada do que foi dito acima.
Para
especificar o que realmente é inflação, temos de estabelecer sua
definição. Porém, para estabelecer a
definição de inflação, temos de estabelecer como este fenômeno surgiu. Temos de rastreá-lo até suas origens
históricas.
A essência da inflação
A
inflação surgiu quando o regente de um país — por exemplo, um monarca —
obrigava seus cidadãos a lhe entregar todas as moedas de ouro que possuíam sob
o pretexto de que uma nova moeda iria substituir a atual. Neste processo, o monarca falsificava o
conteúdo das moedas de ouro misturando a elas algum outro metal e devolvia aos
cidadãos moedas contendo ouro diluído.
Sobre isto, Rothbard escreveu,
Mais especificamente, a Casa da Moeda derretia e voltava a
cunhar todas as moedas do reinado, devolvendo aos súditos o mesmo valor nominal
de "libras" ou "marcos", mas a um peso menor.
As sobras de ouro (ou prata) que ficavam na Casa da Moeda eram
embolsadas pelo monarca e utilizadas para financiar seus gastos.
Por
causa desta diluição das moedas de ouro, o monarca podia agora cunhar uma
quantidade maior de moedas e utilizar estas moedas extras para cobrir seus
próprios gastos. Aquilo que continuava
sendo visto como uma moeda de ouro puro era na verdade uma moeda de ouro
diluído.
Este
aumento no número de moedas gerado pela diluição das moedas de ouro é
exatamente a definição de inflação. Como
resultado deste aumento da quantidade de moedas que se faziam passar por moedas
de ouro puro, os preços em termos de moedas subiam (mais moedas estavam sendo
trocadas pela mesma quantidade de bens).
Observe
que o temos até agora é uma inflação de moedas, isto é, uma expansão da
quantidade de moedas. Como resultado
desta inflação, o monarca podia agora incorrer em uma troca de nada por alguma
coisa: utilizando moedas adulteradas, ele podia obter para si próprio recursos
da economia. Ao fazer isso, ele está
retirando recursos dos cidadãos e os desviando para si próprio, sem ter
produzido nada em
troca. Observe também
que o aumento nos preços em termos de moeda se dá por causa da inflação das
moedas. Por fim, note que o que permite
o desvio de recursos da economia para o monarca é o aumento na quantidade de
moedas gerado pela diluição das moedas de ouro, e não um aumento nos preços.
Sob
o padrão-ouro, o processo de adulteração do meio de troca se tornou muito mais
avançado com o advento da emissão de moeda de papel sem um lastro equivalente em ouro. Inflação, portanto, em seu
contexto histórico, significa um aumento na quantidade de certificados de ouro
não lastreados em ouro; significa um aumento no número de certificados que se
fazem passar por genuínos representantes do dinheiro padrão, o ouro, mas que na
realidade não possuem uma idêntica quantia de ouro os resguardando.
O
portador destes certificados não lastreados poderá incorrer em uma troca de
nada por alguma coisa. Como resultado deste
aumento no número de certificados de ouro (inflação de certificados de ouro),
haverá um aumento generalizado nos preços.
Observe que o aumento nos preços ocorre por causa do aumento nos
certificados de ouro (meros papeis) que não são lastreados por ouro. Da mesma forma, o que temos é uma situação em
que os emissores dos certificados não lastreados desviam bens reais da economia
para si próprios sem no entanto terem dado nenhuma contribuição à produção de
bens.
No
mundo moderno, o dinheiro real não é mais o ouro, mas sim cédulas de papel e
dígitos eletrônicos em contas-correntes. Inflação,
neste caso, é um aumento neste estoque de dinheiro.
Observe
que não dizemos, como fazem s monetaristas, que um aumento na oferta monetária causa inflação. O que estamos dizendo é que inflação é um aumento na oferta monetária.
Note
que aumentos na oferta monetária desencadeiam uma troca de nada por alguma
coisa. Tais aumentos retiram recursos
dos reais geradores de riqueza e os desviam para os portadores do dinheiro
recém-criado. É este processo que gera
as alocações errôneas e insustentáveis dos recursos, e não aumentos de preço
por si sós.
A
renda real dos indivíduos geradores de riqueza irá cair não por causa do
aumento generalizado dos preços, mas sim por causa do aumento na oferta
monetária. Quando a quantidade de
dinheiro é expandida — isto é, o dinheiro é criado "do nada" —, os portadores
deste dinheiro recém-criado adquirem a capacidade de desviar para si próprios
bens e serviços sem no entanto terem feito qualquer contribuição para a
produção de bens.
Como
resultado, aqueles geradores de riqueza — indivíduos que contribuíram para a
produção de bens e serviços — descobrem que o poder de compra do seu dinheiro
caiu, pois restaram agora menos bens disponíveis na economia — eles não mais
podem demandar a mesma quantidade de bens de antes, pois estes bens não mais
estão lá; já foram adquiridos pelos portadores do dinheiro recém-criado.
E
uma vez que os geradores de riqueza possuem menos recursos reais à sua
disposição, isto obviamente irá afetar a formação de mais riqueza real. Consequentemente, o crescimento real da
economia ficará obstruído.
Aumentos
generalizados nos preços, resultantes de aumentos na oferta monetária, apenas
assinalam uma erosão da riqueza real.
Aumentos de preços, por si sós, não causam esta erosão.
Da
mesma forma, é a inflação monetária, e não aumentos nos preços, o que corrói a
renda real de pensionistas e de assalariados de baixa renda. Em geral, estas pessoas são as últimas a
receber o dinheiro recém-criado.
De
acordo com Rothbard,
Os que mais tendem a sofrer com a inflação monetária são
aqueles que estão em contratos de renda fixa — contratos feitos dias antes do
aumento inflacionário dos preços.
Beneficiários de seguros de vida e pensionistas anuais, aposentados
vivendo da Previdência, senhorios com alugueis fixados a longo prazo,
portadores de títulos e outros credores, portadores de dinheiro — todos irão
absorver o fardo mais pesado da inflação.
Eles são aqueles que são "tributados" pela inflação.
Pode haver inflação se os preços não se alteram?
Tudo
o mais constante, se, para um dado estoque de bens, ocorrer um aumento na
oferta monetária, isto significa que mais dinheiro estará sendo trocado por uma
quantidade fixa de bens. Obviamente,
portanto, o poder de compra do dinheiro irá diminuir, isto é, os preços dos
bens irão aumentar (será necessário mais dinheiro por unidade de bem). Neste caso, o aumento generalizado nos preços
está associado à inflação, ou seja, a aumentos na quantidade de dinheiro na
economia.
No
entanto, considere o seguinte caso: a taxa de crescimento da quantidade de
dinheiro está em sincronia com a taxa de crescimento da quantidade de
bens. Consequentemente, os preços dos
bens, na média, não se alteram. Então,
está havendo inflação ou não? Para a
maioria dos economistas, se um aumento na oferta monetária é contrabalançado
por um idêntico aumento na produção de bens, então está tudo ótimo, pois não
ocorre nenhum aumento generalizado de preços; portanto, não houve
inflação. Mas este raciocínio é errado: houve sim inflação, isto é, houve sim um
aumento na quantidade de dinheiro. E
este aumento não pode ser desfeito por um correspondente aumento na produção de
bens e serviços.
Por
exemplo, tão logo um monarca tenha criado mais moedas de ouro diluído que se
fazem passar por moedas de ouro puro, ele estará apto a trocar nada por alguma
coisa, não importa qual seja a taxa de crescimento da produção de bens. Independentemente de como esteja a produção
de bens, o monarca pode agora incorrer na troca de nada por alguma coisa, ou
seja, ele pode desviar recursos para si e não contribuir com absolutamente nada
em troca. Tal desvio é possível por
causa do aumento no número de moedas possibilitado pela diluição das moedas de
ouro — isto é, pela inflação das moedas.
A
mesma lógica pode ser aplicada à inflação do papel-moeda atual. A criação de dinheiro do nada — seja o
dinheiro cédulas de papel ou dígitos eletrônicos — gera um processo de troca
de nada por alguma coisa que não pode ser desfeito por um aumento na produção
de bens. Um aumento na quantidade de
dinheiro — isto é, um aumento na inflação — irá desencadear todos os efeitos
colaterais negativos que a impressão de dinheiro gera, inclusive o problema dos
ciclos econômicos, independentemente de qual seja o aumento na produção de
bens.
Segundo Rothbard,
O
fato de que, nos EUA, os preços em geral se mantiveram relativamente estáveis
durante a década de 1920 foi interpretado pela maioria dos economistas da época
como uma evidência de que não havia nenhuma ameaça inflacionária. Consequentemente, os eventos da Grande
Depressão os pegaram completamente alheios à realidade.
Um aumento no dinheiro-commodity causa inflação?
Agora,
imagine uma economia sob um padrão-ouro.
Imagine também que haja um aumento na mineração e na produção de
ouro. Logo, a quantidade de dinheiro —
ou seja, ouro — irá aumentar. Em
consequência disso, imagine que houve um aumento generalizado nos preços dos
bens e serviços. É correto rotular este
aumento de inflação? De acordo com
alguns economistas, um aumento na oferta de ouro irá gerar distorções similares
àquelas geradas pela criação de dinheiro do nada.
Comecemos
com uma economia de escambo, em que não há dinheiro. João, o minerador, produz dez onças de
ouro. Ele minera ouro porque acredita
que há um mercado para o ouro. O ouro,
afinal, contribui para o bem-estar dos indivíduos e pode ser usado na produção
de vários bens. Ele troca suas dez onças
de ouro por vários outros bens, como batatas e tomates.
Com
o tempo, as pessoas descobrem que o ouro, além de ser útil para a fabricação de
jóias, é também útil para algumas outras aplicabilidades. Com isso, elas agora atribuem ao ouro um
valor de troca maior do que aquele que ele já possuía. Consequentemente, João, o minerador, pode
agora trocar suas dez onças de ouro por uma quantidade maior de batatas e
tomates.
Deveríamos
crer que isto é ruim, uma vez que João adquiriu a capacidade de desviar para si
mais recursos? Não. O que está acontecendo com João, o minerador,
é apenas aquilo que acontece a todo o momento no mercado. À medida que o tempo passa, as pessoas
atribuem mais importância a alguns bens e diminuem a importância atribuída a
outros bens. Alguns bens passam a ser
considerados mais importantes do que outros para manter a vida e o bem-estar
das pessoas.
Agora,
suponha que as pessoas do nosso exemplo descobriram que o ouro é também útil
para mais uma função: servir como meio de troca. Consequentemente, elas irão elevar ainda mais
o preço do ouro em termos de tomates e batatas.
O ouro passa a ser predominantemente demandado como meio de troca — a
demanda por ouro para a realização de outros serviços, como por exemplo
ornamentação, passa a ser bem menor do que já foi.
Observe,
no entanto, que o ouro faz parte do conjunto da riqueza real da economia; ele é
uma mercadoria que gera melhorias na vida e no bem-estar das pessoas. Logo, vejamos o que acontece se João aumentar
a produção de ouro.
Um
dos atributos da escolha do ouro como meio de troca é que ele é relativamente
escasso. Isto significa que um produtor
de um bem qualquer que tenha trocado seu bem por ouro terá seu poder de compra
preservado ao longo do tempo caso mantenha a posse deste ouro. Mas se, por algum motivo, houver um grande
aumento na produção de ouro, e esta tendência persistir, o valor de troca do
ouro em relação a outros bens estará sujeito a um contínuo declínio, tudo o
mais constante. Sob tais condições, as
pessoas tenderão a abandonar o ouro como meio de troca e sair em busca de outra
mercadoria que cumpra esta função.
À
medida que a oferta de ouro produzido por João aumenta, sua função como de
troca irá perder importância, ao passo que sua demanda para outras
aplicabilidades tende a se manter constante ou até mesmo aumentar. Portanto, neste sentido, um aumento na
produção de ouro aumenta o conjunto da riqueza real da sociedade.
Quando
João troca ouro por bens, ele está incorrendo na troca de alguma coisa por
alguma coisa. Ele está trocando riqueza
por riqueza. Observe também que o aumento
na oferta de ouro não se deu porque houve um ato de diluição do ouro nas
moedas, mas sim porque houve um aumento na produção de ouro.
Compare
tudo isto à mera criação de certificados de papel — isto é, substitutos de
ouro — que não são 100% lastreados em ouro. Tal
arranjo irá possibilitar o consumo de um bem sem que tenha havido a produção de
nenhum outro bem ou serviço; sem que tenha havido nenhuma contribuição para o
conjunto da riqueza real. Estes papeis
vazios desencadeiam um processo de troca de nada por alguma coisa, o que, por
sua vez, leva a uma má alocação de recursos, gerando os ciclos econômicos.
É
válido lembrar que um aumento na mineração de ouro não leva a uma má alocação
de recursos, isto é, a um emprego de recursos de uma maneira insustentável, de
uma maneira que não foi demandada pelo livre mercado (o qual reflete as
genuínas e mais urgentes preferências dos consumidores). Observe também que o número de moedas de ouro
aumentou não porque houve uma diluição do ouro nas moedas, mas sim como
resultado de um aumento na produção de ouro, ou seja, na riqueza real. Contrariamente àquele que cria dinheiro de
papel do nada, o gerador de riqueza — o produtor de ouro — é capaz de
sustentar suas próprias atividades. Ele
não retira recursos reais dos outros geradores de riqueza, pois ele produziu
algo em troca; ele não desviou recursos reais para si próprio utilizando
dinheiro vazio. Consequentemente,
qualquer declínio na quantidade de dinheiro criado do nada não irá
afetá-lo. (Vale enfatizar que um
declínio na quantidade de dinheiro criado do nada irá reduzir este processo de
desvio de recursos para atividades que surgiram no rastro desta criação
artificial de dinheiro.)
Conclusão
Contrariamente
à definição popular, inflação não é um aumento generalizado nos preços, mas sim
aumentos na quantidade de dinheiro criado "do nada". Inflação é um ato de fraude, de
peculato. Sob um padrão-ouro, inflação é
um aumento na oferta de certificados de ouro não lastreados por ouro. Sob um padrão-papel, inflação é um aumento na
oferta de cédulas de papel e dígitos eletrônicos nas contas-correntes. Em regra, um aumento generalizado e contínuo
nos preços decorre de um aumento contínuo na quantidade de dinheiro. Os malefícios que a maioria das pessoas
atribui a aumentos nos preços são, na realidade, gerados por aumentos na
quantidade de dinheiro criado do nada.
Por conseguinte, políticas de combate à inflação que não identifiquem
corretamente o que é inflação irão apenas piorar as coisas. Quando a inflação é vista como um aumento
generalizado nos preços, então qualquer coisa que contribua para um aumento nos
preços é chamada de inflacionária. Não
mais são o banco central e o sistema bancário de reservas fracionárias as fontes
da inflação, mas sim várias outras causas.
Nesta abordagem, não apenas o banco central nada tem a ver com a
inflação, como na verdade ele passa a ser visto como o grande guerreiro que
combate a inflação.
Sobre
esta questão, Mises
escreveu,
Para evitar levar a culpa pelas conseqüências nefastas da
inflação, o governo e seus seguidores recorrem a um truque semântico. Eles tentam mudar o significado dos
termos. Eles chamam de
"inflação" aquilo que é justamente a consequência inevitável da
inflação: o aumento dos preços. Eles se
esforçam ao máximo para relegar ao esquecimento o fato de que esse aumento de
preços é produzido justamente pelo aumento da quantidade de dinheiro e de
substitutos monetários na economia. E
eles nunca mencionam este aumento.
Eles culpam as empresas e os empresários por esse aumento
do custo de vida. Este é o clássico
exemplo do ladrão que grita "pega ladrão!". O governo, que é quem produziu a inflação ao
multiplicar a oferta monetária, incrimina os produtores e os mercadores, e se
jacta de ser o grande paladino dos preços baixos.