Por sorte e uma série de coincidências, andei como passageiro num Tesla X, aquele cujas portas abrem para cima, em Boston, nos Estados Unidos. É outro meio de locomoção, nada parecido com o que conhecemos como automóvel no Brasil. Silêncio absoluto, capacidade inacreditável de arrancar, potentÃssimo, movido a energia elétrica e totalmente digital. Na verdade, é um computador com rodas. Além disso, o carro muito confortável é lindo e compete em condições de igualdade com o melhor design italiano. Ele é, digamos, o grande final do processo de profunda modificação no modelo de negócio do mercado de automóveis.
Não há concessionárias Tesla. A compra é realizada diretamente na fábrica por intermédio da internet. O motor elétrico é de manutenção simples, fácil e barata. Trocar um motor é coisa simples. As atualizações no veÃculo se fazem pela internet, como ocorre hoje, com os aparelhos celulares e computadores. É diferente de tudo o que acontece aqui. O Brasil viveu até hoje dentro de uma bolha no negócio de automóveis, criada pelos subsÃdios e incentivos concedidos por estados e pelo governo federal.
A indústria automobilÃstica no Brasil tem mais de 60 anos, no caso especÃfico da Ford, funciona desde 1920, quando começou a importar e montar aqui o famoso Ford modelo T, que recebeu vantagens de todas as procedências, em nome da criação de empregos. O dinamismo da indústria de São Paulo se deve, em boa parte, à s montadoras de automóveis, importantes geradoras de postos de trabalho. Não são mais. Os trabalhadores estão sendo substituÃdos por robôs. A indústria, contudo, nunca amadureceu no Brasil. Sempre dependeu de amparo governamental. Os carros brasileiros continuam a ser muito caros, inseguros, incapazes de enfrentar a concorrência estrangeira e grandes consumidores de combustÃvel.
Há outra margem nesta travessia. O modelo de negócio também se modificou. Fábricas passaram a alugar veÃculos, e não apenas vendê-los. É outro tipo de negócio. As novas gerações não mais enxergam o carro de passeio como sinal de prosperidade. Nas grandes cidades, o carro é algo que complica a vida. É caro, exige espaço para estacionar perto do trabalho, obriga garagem em casa. Com a ascensão do home office, ninguém mais precisa sair para o escritório. Trabalha em casa. Além disso, é mais fácil e barato andar em carro de aplicativo. As fábricas perceberam a novidade e começaram a alugar carros. Este modelo já se instalou no Brasil.
Este é o cenário do mercado brasileiro. Na questão energética, surgem novas tecnologias que ajudam a tornar ainda mais caótica a situação dos automóveis. A energia eólica está progredindo de vento em popa no paÃs, perdoem-me o trocadilho. E a energia solar vai no mesmo caminho. A venda de sistemas fotovoltaicos para residências disparou no paÃs. Quem pagava, digamos, R$ 1 mil por mês na conta de energia passou a pagar R$ 100. O carro elétrico cabe como uma luva neste novo desenho. O cidadão liga o carro na tomada e vai dormir. No dia seguinte, tem à sua disposição 400 ou 500 quilômetros de alcance, a custo quase zero. É tudo muito novo.
Estão à venda, no paÃs, as telhas do sistema fotovoltaico, que tornam o conjunto ainda mais barato, porque dispensam os painéis solares, que hoje são importados da China. Ou seja, o telhado da casa, além de proteger o morador do sol e da chuva, também produz energia elétrica. O pessoal que trabalha no setor de petróleo e gás sabe disso. A era do petróleo deverá terminar antes que o petróleo acabe. O chamado ouro negro será utilizado apenas em atividades nobres. Em apenas uma década, esta revolução estará implantada no mundo desenvolvido. Restará ao Brasil, e a seu governo, abrir os olhos e perceber que os novos tempos chegaram.
A despedida da Ford é o sinal de que o sistema se esgotou. Assim como a câmera digital destruiu a poderosa Kodak, os computadores de mesa acabaram com as máquinas de escrever, os aplicativos liquidaram com os táxis, os carros elétricos, conectados à internet das coisas, vão modificar a vida nas cidades. Mesmo no modelo antigo, a Ford demonstrava falta de condições para competir. Fez escolhas erradas e mostrou dificuldade para entender os desafios. Fechou fábricas na Europa, na Austrália e nos Estados Unidos. Não entendeu que o vento mudou. Vai ser substituÃda pelas concorrentes, na selvagem lei do mercado. O governo brasileiro ainda tem tempo para perceber o novo tempo ou radicalizar seu mergulho em direção à s trevas.