Sugerido por Gillette Amolado, Escrito por Peter Turguniev, Revisado e narrado por Peter Turguniev
Todos sabemos que bitcoin é algo ruim para governos em geral e que é uma consequencia disso governos tentarem atacar o bitcoin. Já fizeram isso no passado e ainda vão tentar muitas vezes no futuro. Mas um ataque novo foi feito hoje, dia 6 de maio, pela mineradora MARA Pool.
Para entender o ataque do bloco limpo, um ataque a fungibilidade do bitcoin que aconteceu pela primeira vez e as consequências dele, é preciso antes explicar um pouco sobre como o bitcoin funciona. Não vamos entrar em detalhes técnicos. Você vai encontrar vídeos muito mais detalhados sobre isso aqui no youtube. Tenha em mente que a explicação aqui é bem simplificada, mas necessária, para entendermos exatamente o que aconteceu.
O grande feito do bitcoin é ser uma moeda descentralizada. Isso significa que ela não tem um dono, ninguém controla o bitcoin. Portanto, não é como um dinheiro de jogo, que a empresa desenvolvedora do jogo controla ele. Nem como as moedas estatais, como o real ou o dólar que também tem governos por trás controlando elas. Uma moeda descentralizada, cmo o bitcoin, não tem ninguém controlando ela. Ao contrário, o bitcoin tem um monte de nodos. Cada nodo tem 3 tarefas: validar, salvar e trasmitir transacoes e blocos. Quando você faz uma transação na rede do Bitcoin, essa transação vai para uma área de memória chamada mempool. Essas transações são chamadas de não-confirmadas. A cada 10 minutos, mais ou menos, um nodo qualquer da rede consegue resolver um problema matemático muito difícil de ser resolvido. Embora qualquer nodo possa fazer isso, na prática é preciso um enorme poder computacional. Então existem alguns nodos que se especializam em fazer o que chamam de "mineração". Eles têm chips customizados para tentar resolver o problema em questão.
Então, quando aquele nodo minerador consegue resolver o problema matemático, ganha o direito de receber as taxas e recompensas daquele bloco minerado. O site memspool.space permite ver com clareza o que está acontecendo. Os blocos em amarelo são os que estão no mempool aguardando confirmação. Os em azul são os que já foram minerados, portanto, confirmados. Cada bloco desses contém um monte de transações.
O número de transações que cabe em cada bloco é limitado. Então os mineradores tendem a escolher as transações que possuem recompensa mais alta. Fecham o bloco e o colocam na blockchain para ganhar o máximo possível.
O problema que é resolvido pelos mineradores tem o nome de SHA256, por esse motivo, o tamanho ou a capacidade de cada minerador é medido em hashrate que é a quantidade de tentativas de resolver o hash por segundo que todos os computadores ligados aquele minerador conseguem. O problema é tão complexo, que um minerador sozinho teria dificuldades de conseguir, então vários mineradores se unem num chamado pool de mineração, que é um grupo de mineradores coordenando a tentativa de resolver o problema. Os maiores pools são o AntPool, o F2Pool e o Poolin, mas existe um grande número deles. Como é de se imaginar, quando maior o hashrate de um pool, maior a chance de acertar o problema e conseguir minerar um bloco. Então pools pequenos levam muitos e muitos dias entre um bloco e outro, ao passo que pools maiores fazem vários blocos por dia.
Novamente, ressalto que o assunto todo é muito mais complexo, estamos simplificando o caso. Existem vários vídeos teóricos muito elaborados aqui no youtube mesmo que explicam em mais detalhes. Mas, com essas informações, podemos chegar ao ponto do ataque sofrido pelo bitcoin hoje de madrugada.
Um pool pequeno, que, portanto, muito raramente consegue minerar um bloco, chamado Mara Pool, da empresa Marathon digital holdings, conseguiu minerar o bloco 682170. Até aqui, nada demais, volta e meio um minerador menor consegue essa façanha. Porém esse bloco continha o aviso que era um bloco "OFAC compliance", além disso, o bloco era bem pequeno, com apenas 178 transações, e o valor das transações era mínimo. 0.05 BTC. Ao invés de pegar todas as transações no mempool, como o nodo pode escolher quais transações passar, eles passaram apenas algumas poucas transações.
Porque ele fez isso? A recompensa média de um bloco em taxas de transação é na faixa de 0.85 BTC, ele jogou fora 0.8 bitcoin para poder escolher as transações? Bem, o porque ele fez isso pode ser entendido no aviso de que era um bloco "OFAC compliance". OFAC é o "Office of Foreign Assets Control", ou "Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros", um departamento da receita federal americana cujo objetivo é garantir o cumprimento de normas federais aleatórias do governo americano. Por exemplo, que proibem transações com países como o Irã ou a Venezuela. Também proibem lavagem de dinheiro e outras regras aleatórias. A OFAC lançou em junho de 2020 um framework para compliance de empresas americadas com criptomoedas. Veja: o OFAC não diz "você não pode aceitar transações do endereço X ou do endereço Y". O que ele diz é que você tem que saber quem são as partes envolvidas para poder negociar sem risco de sofrer penalidades. Se, sem querer, você transacionar bitcoins digamos, de um endereço no Irã, você está cometendo fraude. Só que endereços do bitcoin não dizem nada sobre o local físico onde está a carteira. Não tem como saber quais carteiras estão no Irã e quais não estão.
Como o MARA Pool fez então? Só aceitou transações de endereços que correspondem a corretoras americanas conhecidas. Assim, qualquer outra transação foi negada. Por isso o bloco ficou com tão poucas transações. E porque isso é um ataque ao bitcoin? Bem, é um ataque a fungibilidade do bitcoin. Em tese, bitcoin, como qualquer moeda, é um bem fungível. Qualquer bitcoin vale o mesmo que qualquer outro bitcoin. Mas se o governo americano consegue marcar determinados endereços como sendo proibidos. Seja porque são de traficantes, seja porque são de países, seja porque ele quer perseguir a pessoa, então a fungibilidade ficou prejudicada. Existem agora "bitcoins bons" e "bitcoins ruins" é exatamente isso que pretende a OFAC e o fato de uma mineradora ter aceito tais regras é um ataque sério ao bitcoin.
Veja: nenhum bitcoin foi perdido, ninguém foi prejudicado. As transações de outras pessoas, acabaram sendo confirmadas no bloco seguinte, 10 minutos depois, por outro Pool. Esse ataque em si foi insignificante e não mudou nada. Mas a questão toda é o que ele sinaliza em termos de possibilidade no futuro. Primeiro é curioso que muita gente apontava risco de interferência do governo chinês, porque um grande número de mineradores fica na china, particularmente na região da mongolia interior, onde a energia elétrica é muito barata, no entanto o primeiro estado que efetivamente atacou o bitcoin diretamente foi o americano. Foi um pequeno pool minerador americano cedendo a regras do estado americano. Mas, como disse, isso não foi um problema em si.
Justamente devido a regras financeiras muito rígidas e a energia elétrica cara, existem hoje poucas mineradoras nos estados unidos. Portanto, mesmo imaginando que todas as mineradoras americanas resolvam seguir a OFAC não vai mudar nada. De vez em quando teríamos um bloco estranho como esse, mas isso não muda nada. As transações simplesmente aconteceriam no próximo bloco. O problema é que o governo americano tem um bocado de dinheiro. Imagine que o governo americano criasse vários pools de mineração americanos para tentar chegar a uma grande fração de blocos minerados dessa forma. Isso significa que você teria de fato o "bitcoin bom" e "bitcoin ruim". Ainda conseguiria usar seus bitcoins, mas se forem bitcoins ruins, seria difícil transacioná-los, mais demorado. Mais caro. Pior, imagina se o governo chines, vendo que o americano fez issso, resolve impor essas mesmas regras a mineradoras chinesas. O problema seria muito mais imediato, porque já existe uma grande quantidade de mineradoras na china.
Esse ataque então mostra um caminho pelo qual governos podem controlar o bitcoin? Se você não pagou seus impostos, não registrou sua carteira no governo, você não cosnegue transacionar? Bem, sim. Mostra um caminho pelo qual governos poderiam controlar o bitcoin. Porém é um caminho inviável economicamente na prática. Veja: o paper do Satoshi Nakamoto ia muito além das proteções criptográficas ao bitcoin. Ele também incluia proteções por consenso, com base na teoria dos jogos. O consenso no bitcoin é um acordo implicito dos diversos nodos do bitcoin que todos eles tem interesse que o bitcoin funcione. O valor do bitcoin deriva exatamente dele ser um ativo não controlado por ninguém. No momento que o bitcoin for só mais um ativo controlado pelo governo, ele passa a valer duas bolotas pra todo mundo.
O nodo MARA Pool fez algo contrário a seu próprio interesse. Ganhou menos dinheiro. Embora seu site diga ser para investimentos corporativos em bitcoin, claramente é apenas uma fonte do governo americano. Não faz sentido algum alguém querer "consertar o bitcoin" matando a sua característica fundamental.
O que os demais nodos podem fazer? Bem, o MARA Pool já perdeu hashrate significativamente depois da divulgação dessa informação. Lembre-se: os pools agregam vários mineradores juntos e eles certamente ficaram insatisfeitos ao perceber que perderam dinheiro. A chance desse pool minerar outro bloco ficou mais distante. A ideia da proteção pelo consenso é essa. O interesse das pessoas garante o bitcoin. O taproot, a mudança no bitcoin que está rolando nesse momento, e explicamos no vídeo "como mudar o bitcoin?", do dia 19 de abril, já vai incluir mais privacidade nos endereços e dificultar esse controle da OFAC. Mas, mesmo se isso não for suficiente, basta um novo softfork do bitcoin com ajuste nessa escolha. A Monero, outra moeda criptográfica, passou por esse tipo de problema a alguns anos e também fez ajustes para impossibilitar o rastreamento de endereços.