Avaliação do Novo Golpe na Democracia Brasileira por André Singer, Intérprete do Lulismo

André Singer, intérprete do lulismo, põe “o dedo na ferida”. Reproduzo seu pertinente artigo (FSP, 27/01/18) sobre o prejulgamento político e corporativista dos justiceiros. Em vez de rever com imparcialidade a perseguição e condenação política anterior, enaltecem o suspeito colega justiceiro. Se não escutam os argumentos da defesa e sequer reavaliam a ausência de prova de propriedade,  e só leem seus longuíssimos votos antes preparados com base em leitura da Veja (tipo “ele sabia”) — e combinados entre si a priori, inclusive no alongamento da pena, para evitar prescrição pela idade como no caso de José Serra –, de que vale esse recurso em segunda instância?!

“Olhemos para o julgamento do TRF-4 do ângulo das consequências políticas e eleitorais que traz, deixando a controvérsia jurídica a cargo de quem dela entende. A partir da quarta-feira, 24 de janeiro de 2018, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tornou-se inelegível. O fato acarreta graves problemas para o funcionamento democrático.

Para além das regras formais, só existe democracia se houver efetiva alternância no poder. Alternância não quer dizer que a cada quatro ou oito anos muda o partido na Presidência, mas, sim, que a cada eleição um partido diferente pode ganhar (formar maioria), tomar posse, governar e passar democraticamente a faixa para o próximo eleito.

A competitividade real (não teórica) de pelo menos duas equipes é a prova da democracia. Não existindo essa, aquela não existe. No Brasil, historicamente, só dois campos demonstraram condição de competir nos termos acima: o popular e o de classe média, qualquer que seja o nome dos partidos que represente cada um (PSD/PTB, UDN, PT ou PSDB). Fora do bipartidarismo imposto pela ditadura, sempre houve outros partidos, mas nenhum se mostrou competitivo.

Lula foi o dirigente político que conduziu, após a redemocratização, o campo popular novamente ao poder, de onde fora apeado pelo golpe militar de 1964. No regime de 1946, Getúlio se suicidou, JK enfrentou levantes militares, Jango foi derrubado. Lula deu contribuição sine qua non ao normalizar a presença do campo popular na Presidência.

Lula não é insubstituível. Chegado o momento, indicará um candidato/a para concorrer em seu nome, como fez com Dilma em 2010. É decisivo para a democracia que tal candidato/a seja competitivo/a, mas as chances diminuem consideravelmente com Lula fora da urna, pois ninguém pode encarnar melhor o lulismo, perante o eleitorado, do que ele próprio.

Nesse ponto chego ao nervo da controvérsia. A Operação Lava Jato demoliu apenas um dos lados da bipolaridade que divide –e tem que dividir para ser democracia– o universo nacional. A outra parte ficou comparativamente intacta.

Os que acreditam que isso aconteceu porque o campo popular é essencialmente corrupto enquanto o da classe média não é precisam ler os depoimentos de Pedro Corrêa, Sérgio Machado, Nestor Cerveró, Emílio Odebrecht e Delcídio do Amaral, participantes de ambos. São, basicamente, os mesmos personagens que serviram para condenar Lula. Por que vale para um lado e não para o outro?

Combater a corrupção é bandeira republicana, a ser levantada bem alto. Mas sem democracia, a corrupção campeia. Lula era a garantia de alternância, a duras penas construída. Cortada a possibilidade, a democracia fica suspensa.”

A confirmação da condenação em primeira instância do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sua eventual prisão não devem representar no curto prazo o fim do lulismo na política brasileira. Pelo menos é o que apostam Luiz Felipe de Alencastro e José Murilo de Carvalho, ambos historiadores e cientistas políticos.

Alencastro enxerga o lulismo assentado em um componente orgânico e resiliente, fruto de sua associação com movimentos sociais e sindicais, e na força da máquina partidária petista, que a despeito do desgaste recente, ocupa o segundo lugar em número de eleitos na Câmara e nas prefeituras. “Por isso, acho que o lulismo, na sua mensagem social e política, continuará vivo”, afirma Alencastro.

Carvalho também considera cedo para falar em fim do lulismo. Em sua opinião, tudo ainda dependerá do comportamento do ex-presidente em meio aos desdobramentos da sentença que o condenou por corrupção e lavagem no caso do tríplex no Guarujá (SP) e de outras investigações em curso contra o petista. Ele lembra, no entanto, que políticos com apelo popular, como o ex-presidentes Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón, do Brasil e da Argentina, respectivamente, tendem a ter longa vida na memória da população.

Segundo Carvalho, a biografia política de Lula ainda está incompleta. “Até agora é um empate: uma fase brilhante, seguida de outra constrangedora. Ele ainda tem tempo para desempatar em uma ou outra direção”.

Alencastro, por sua vez, acredita que, independentemente de qualquer coisa, o lulismo ficará marcado na história como um período mais importante do que a Era Vargas (1930-1945). “Getúlio mudou o modo de intervenção do Estado na economia. Lula mudou, para muito melhor, a intervenção do Estado na sociedade. Os resultados estão inscritos em todos os gráficos demonstrando o progresso social de 2004 a 2014”, aponta.

Mesmo assim, Carvalho observa que mesmo com avanços sociais, o PT, ao ter-se deixado atrair pelas práticas de “malfeitos”, causou um grande dano à esquerda e à política brasileira. “Aderindo a práticas anti-republicanas, contra suas próprias propostas iniciais, o PT desmoralizou esquerda. Precisa reinventar-se, coisa que sua liderança atual não parece disposta a fazer”, afirma.

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