quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

fechar

Cadastre-se para receber o informativo gratuitamente

MIGALHAS DE PESO

Publicidade

Delação como arma política

É lamentável que os princípios fundamentais e garantistas do Direito e do processo penal sejam violados em nome de uma fúria punitiva e de um ilusório combate à corrupção.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

O esdrúxulo instituto da delação premiada está sendo usado desde a campanha eleitoral como arma política para desestabilizar o governo e a governabilidade do país.

É lamentável que os princípios fundamentais e garantistas do Direito e do processo penal sejam violados em nome de uma fúria punitiva e de um ilusório combate à corrupção. Mais que isso, a divulgação de parte dos depoimentos dos investigados a conta-gotas e em doses homeopáticas, mas venenosas, está matando o direito posto. Prisões são justificadas com base na finalidade de que investigados "abram o bico", no dizer do parecer daquele que deveria zelar pela legalidade dos atos e do processo. Os advogados são considerados estorvos no caminho da justiça punitiva, e a eles, quase sempre, são apresentados obstáculos para acessar e consultar os autos e, até mesmo, para entrevistar com seus clientes em particular.

E a imprensa? Esta, que poderia e deveria fiscalizar os poderes, inclusive o judiciário, alia-se a este na busca frenética, irresponsável e parcial de culpados.

Culpados? Culpados que ainda não foram julgados; culpados que assim não foram declarados; culpados, mas sem o sagrado direito de defesa; culpados sem o contraditório e o devido processo legal. Culpados e delatados que se confundem numa barafunda jurídica, na qual as garantias mais elementares e sagradas são trituradas, ora por verdugos, ora por justiceiros.

Como bem salientou o eminente processualista Jacinto Nelson Miranda Coutinho, "o pior é que o resultado da delação premiada - e talvez a questão mais relevante - não tem sido questionado, o que significa ter a palavra do delator tomado o lugar da 'verdade absoluta' (como se ela pudesse existir), inquestionável. Aqui reside o perigo maior. Por elementar, a palavra assim disposta não só cobra confirmação precisa e indiscutível como, por outro lado, deve ser sempre tomada, na partida, como falsa, até porque, em tais hipóteses, vem de alguém que quer se livrar do processo e da pena. Trata-se, portanto, de meia verdade, pelo menos a ponto de não enganar quem tem os pés no chão; e cabeça na CR".

Como se não bastasse, a prisão preventiva, medida cautelar pessoal extrema e que deveria ser utilizada como "ultima ratio", vem se transformando em regra, em antecipação da tutela penal e em espécie abjeta de execução provisória de pena. O que deveria ser uma medida distinguida pela excepcionalidade, pela necessidade extrema e pela temporariedade, vem se tornando a cada dia, com o aval da maioria dos juízes e tribunais, medida superabundante, banal e, para desespero dos acusados, se prolongando cada vez mais como se pena fosse.

Não é despiciendo lembrar que não há pena sem processo e que o processo hodierno é um instrumento de preservação de direitos e garantias constitucionais.

Garantias? Que palavra perigosa para ser utilizada em dias sombrios; será invenção de um advogado para colocar algum facínora em liberdade; será coisa da esquerda bolivariana; garantia que outrora era regra e hoje...

Antes que eu me esqueça: não delato ninguém, nem sob tortura.

____________________

*Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado criminalista do escritório Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados e professor de Direito Penal.


Atualizado em: 8/12/2014 15:26

Comentários

0

Comentarios
curtir0

Lembrete: Os comentários não representam a opinião do Migalhas; a responsabilidade é do autor da mensagem.

Deixe seu comentário

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca

Publicidade

Atualizamos nossa política de cookies

Utilizamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar sua experiência. Ao continuar navegando, você aceita a nossa política de monitoramento. Mais informações, consulte os Termos de Uso.