A Triste História da Hidrelétrica de Belo Monte V: Energia para Quem, Cara Pálida?
O debate sobre fornecimento de energia e substituição de combustível fóssil precisa ir além de cálculos simples de combustível consumido por kWh gerado. No caso de grandes represas amazônicas, não é necessariamente verdade que, ao deixar de construir uma barragem, uma quantidade equivalente de combustível fóssil seria queimada no seu lugar. Isto porque pouco da energia gerada é usada para propósitos essenciais que seriam de difícil redução, tais como no consumo residencial e indústrias que atendem o mercado doméstico. Ao invés disso, uma porcentagem significativa e crescente da energia da rede nacional brasileira é destinada para indústrias eletrointensivas de exportação, tais como as que fabricam o alumínio. O Brasil exporta grandes quantidades de alumínio barato, e altamente subsidiado (especialmente para o Japão).
O alumínio que o Brasil exporta é beneficiado usando eletricidade de hidrelétricas que são construídas com o dinheiro dos contribuintes e dos consumidores residenciais brasileiros. Se menos hidrelétricas fossem construídas, o resultado provável seria diminuir o subsídio financeiro e ambiental dado ao Mundo como um todo, em lugar de continuar suprindo energia a uma indústria de exportação de alumínio com base no aumento de geração de energia a partir de combustíveis fósseis. Companhias de alumínio que atendem o mercado internacional (distinto do consumo doméstico brasileiro) teriam que se deslocar para outro país ou, no final das contas, teriam que produzir menos alumínio e explorar outros materiais de menor impacto. O preço do alumínio subiria para refletir o verdadeiro custo ambiental desta indústria muito esbanjadora, e o consumo global diminuiria a um nível mais baixo.
Acrescentar mais uma usina hidrelétrica à rede nacional apenas posterga ligeiramente o dia quando o Brasil e o Mundo enfrentarão esta transformação fundamental. Um dia a contabilidade destes custos ambientais será feita e considerada antes de tomar decisões, tais como transações para ampliar as indústrias eletrointensivas no Brasil. A onda em transações industriais com a China, após uma visita presidencial àquele país em 2004, fornece um exemplo altamente pertinente. Essas incluem a nova usina de capital chinês e brasileiro para produzir alumina em Barcarena, Pará, que deverá ser a maior do mundo quando completada (1). A fábrica chinesa de alumina em Jurití, Pará também consumiria energia de Belo Monte, além da expansão das fábricas de alumínio em Barcarena, Pará, São Luis-Maranhão e Sorocaba, São Paulo. Quando são feitos acordos que demandam grandes quantidades adicionais de eletricidade, então os estudos de impacto ambiental e o processo de licenciamento para as várias barragens planejadas tendem a se tornar meros enfeites decorativos para uma série de obras predeterminadas.
Os planos para construção de barragens na Amazônia implicam em impactos ambientais e sociais significativos, e coloca um desafio ao sistema de licenciamento ambiental do País. A proposta hidrelétrica de Belo Monte é particularmente controversa porque cinco represas planejadas teriam impactos especialmente sérios rio acima de Belo Monte, inclusive a barragem de Altamira/Babaquara, de 6.140 km2, cujos impactos incluem a inundação de terra indígena, destruição de floresta tropical e emissão de gases de efeito estufa. A existência de Belo Monte aumentaria grandemente a atratividade financeira das represas a montante.
Os casos de Belo Monte e das outras barragens do rio Xingu ilustram a necessidade absoluta de se considerar as interligações entre projetos diferentes de infraestrutura e incluir estas considerações como uma condição prévia para construir ou autorizar quaisquer dos projetos. Adiar a análise dos projetos mais controversos não é uma solução. Uma estrutura institucional precisa ser criada por meio do qual possam ser feitos compromissos para não construir projetos de infra-estrutura específicos que são identificados como danosos, um critério que provavelmente incluiria a hidrelétrica de Altamira/Babaquara e as outras represas planejadas a montante de Belo Monte na bacia do rio Xingu. O alto custo ambiental e social de barragens hidrelétricas indica a necessidade do País reavaliar a sua alocação de eletricidade a indústrias de exportação eletro-intensivas, tais como o beneficiamento de alumínio.
Referência
(1) Pinto, L.F. 2004. “CVRD: agora também na Amazônia ocidental”. Jornal Pessoal [Belém] 15 de novembro de 2004, p. 3.
(Tradução abreviada e atualizada Fearnside, P.M., 2006. Dams in the Amazon: Belo Monte and Brazil’s Hydroelectric Development of the Xingu River Basin. Environmental Management 38(1): 16-27).
Mais informações estão disponíveis em http://philip.inpa.gov.br.