Os japoneses são frios? — III: As boas maneiras. 

Uma das coisas que, na época que eu cheguei no Japão, causava-me certa aversão são os bons modos dos japoneses. Pode parecer estranho dizer isso, mas acredito que qualquer brasileiro entenderia exatamente o que eu quero dizer se eu colocar assim: os japoneses são educados demais.

Eu uso a palavra “educação” aqui no sentido de “boas maneiras” ou de “cuidados com a etiqueta”. É o sentido ao qual se refere a palavra reigi (礼儀) em japonês. As boas maneiras geralmente são vistas como virtudes, mas, na nossa cultura, há o que podemos chamar de “educação excessiva”. Ou seja, é bom que se seja educado, mas não demais. Se passar de um certo limite, o sujeito começa a ser visto como bajulador, esnobe, fresco, ou simplesmente passa a impressão de que quer manter uma certa distância, o que também não é admissível entre os brasileiros. Foi isso que não me agradou com relação aos japoneses: eu pensava que eles queriam manter distância de mim. Eu me sentia de certa forma excluído porque os meus colegas da universidade não utilizavam a mesma linguagem que eu ouvia eles falavam entre eles.

Para explicar melhor, primeiro eu tenho que falar um pouco sobre a língua japonesa. A gramática do japonês é bem mais simples do que a do português. Não há plural, nem gênero e poucas flexões verbais — ao passao que em português temos 5 tempos e 3 modos, a língua japonesa só tem dois tempos: presente e passado. Por outro lado, há inúmeras formas que são usadas para expressar respeito ao interlocutor ou modéstia do falante. Por exemplo, o verbo auxiliar suru pode se tornar shimasu, itashimasu, saseteitadakimasu, saremasu, podendo também ser substituído por nasaimasu, dependendo de com quem e o que estamos falando.

Um dia, quando eu estava me arrumando para voltar para casa da universidade, um colega perguntou: “o-kaeri desu ka?” (o senhor vai embora?). Nesse dia, eu me irritei um pouco e tive que dizer para não falar assim comigo. Acontece que existem basicamente — digo basicamente porque existem mais — 4 maneiras de se perguntar se alguém vai embora: kaeru?, kaerimasu ka?, o-kaeri desu ka? e kaeraremasu ka?, indo nessa ordem do menos educado para o mais educado. Ou seja, ele usou a segunda forma mais educada para falar comigo, um simples colega de aula, que, ao meu ver, deveria ser tratado como igual, usando a primeira forma.

O fato é que eu sou 3 anos mais velho do que ele e, na ocasião, ele estava no primeiro ano do Mestrado e eu no primeiro ano do Doutorado. Na sociedade hierarquizada do Japão, 1 ano de diferença na idade já é motivo para se utilizar formas mais educadas de se falar. Mesmo sabendo disso, eu queria ser difereter, eu queria me sentir mais próximo dos meus colegas. Queria que eles me tratassem como um igual, como os estudantes brasieiros tratam-se uns aos outros. No Brasil não existe diferença entre estudantes. Numa escola brasileira, existem duas categorias de pessoas: os alunos e os professores. Eu não conseguia aceitar estar num grau de hierarquia diferente dos colegas que passavam o dia inteiro na mesma sala fazendo a mesma coisa que eu fazia.

Naquele dia, o meu colega me olhou com uma cara de ponto de interrogação, tentando entender o que eu queria dizer. Acho que, no final, ele acabou entendendo, mas não consegui fazê-lo mudar o seu jeito de falar. É que os bons modos — ou pelo menos o que os japoneses entendem por bons modos — são uma coisa tão natural para eles que eles simplesmente não conseguem se despojar desse hábito. Isso fica claro quando se vê japoneses que nunca moraram no exterior tentando falar inglês. Eles ficam completamente perdidos com a falta de expressões para demonstrarem respeito com o interlocutor. Não me restou outra alternativa senão agüentar o excesso de educação dos meus colegas, pois a maioria estava abaixo de mim na hierarquia dos alunos.

Para os estrangeiros, utilizar a forma correta do verbo conforme a situação e o interlocutor não é uma tarefa fácil, pois é difícil de julgar a situação e a pessoa correta para se usar determinado palavreado e forma verbal. Quando eu comecei a trabalhar no hotel, tive a oportunidade de utilizar vários níveis de respeito e modéstia ao falar. Precisava que falar diferente, dependendo de se estava me dirigindo um chefe, um colega mais antigo, com colega mais novo, um hóspede, uma pessoa de idade, uma criança, etc. Quando eu me dei por conta, estava sorrindo e até me mexendo como japonês. Não há outra maneira de falar japonês corretamente, se não se observar as regras de etiqueta mais integralmente.

Mas afinal, qual é o segredo para se julgar em que situação e com qual interlocutor utilizar determinado palavreado? A resposta está no coração. Só é possível falar japonês corretamente se realmente sentirmos um respeito sincero pelas pessoas. O palavreado e a flexão verbal sai naturalmente como expressão desse respeito. Mesmo que não esteja totalmento correto gramaticalmente, não poderia estar mais correto do que se não representasse o que o falante está sentindo enquanto fala. Estudar as inúmeras regras de etiqueta e expressões gramaticais de respeito não é suficiente para falar e agir corretamente. É necessário sentir respeito e consideração pelos que nos rodeiam para que possamos nos comportar educadamente dentro da cultura japonesa.

O “excesso” de educação e cerimoniosidade que nós interpretamos como frieza, na verdade só pode existir quando o respeito vem do coração. A exata característica dos japoneses que é tida por nós como frieza é uma das suas maiores expressões dos mais calorosos, sinceros e virtuosos sentimentos humanos.

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O-bon (お盆) 

Há duas ocasiões no ano em que as famílias japonesas se reúnem, uma no verão (o-bon – お盆) e outra no inverno (o-shogatsu – お正月). O-bon é uma data budista e o-shogatsu, xintoísta. Embora pouco mais da metade dos japonesese sejam oficialmente budistas e pouco menos da metade sejam oficialmente xintoísta, na época do o-bon, todos se tornam budistas e na época do o-shogatsu, todos se tornam xintoístas.

Mukaebi.

O-bon é comemorado nos dias 13, 14, 15 e 16 de agosto e corresponde mais ou menos ao nosso dia de finados. É uma data dedicada aos mortos, mas com uma grande diferença: ao invés de as pessoas irem visitar os mortos no cemitério, são os mortos que vêm visitar as pessoas em casa! Pelo que eu ouvi falar, a comemoração em si varia de região para região e, dependendo, as famílias vão buscar os seus mortos no cemitério para trazê-los para passar uns dias em casa. No entanto, acho que as famílias xintoístas não podem fazer isso, porque eles cremam os seus mortos.

De uma forma ou de outra, é importante iluminar o caminho dos mortos até a sua casa. Por isso, no início do o-bon, as pessoas acendem um fogo chamado (mukaebi – 迎え火). Eu acho que aqui em Quioto eles fazem isso dentro de casa, porque eu nunca vi ninguém acendendo fogo do lado de fora. Durante o período do o-bon, os visinhos se reúnem e saem andando em fila pelo bairro segurando umas lanterninhas. Tradicionalmente, utilizam-se aquelas lanterninhas japonesas que se parecem com balões de são joão, mas eu já vi os mes vizinhos saírem com lanternas de pilha comuns. Na verdade, cada vizinhança tem a sua própria maneira de guiar o caminho dos mortos.

Não são só os mortos que voltam para casa durante o o-bon. Os vivos também o fazem. Nesse sentido, o o-bon japonês é semelhante ao nosso Natal. As estações e estradas ficam lotadas de gente voltando para as suas cidades de origem e é triste quando uma pessoa não pode se reunir com os seus familiares durante esse período.

Eu não sei exatamente o que as famílias fazem quando se reúnem para o o-bon. No Japão, raramente há a oportunidade de entrar na casa das pessoas, especialmente quando há reunião com os familiares. Eu bem que gostaria de receber um convite do tipo: vai passar o o-bon lá em casa, mas sei que isso não vai acontecer tão fácil.

Falando sobre isso com um colega de Okinawa, ele me explicou como eles fazem lá. No último dia do o-bon, eles fazem um jantar com os antepassados mortos. Conversam com eles, como se eles realmente estivessem presentes, contam novidades e pedem para que os antepassados os protejam durante o ano. Ao terminar o jantar, a porção de comida oferecida aos antepassados é queimada e todos saem para a rua para dançar.

Okinawa está para o Japão assim como a Bahia está para o Brasil. No Japão raramente se dança. Em Okinawa o o-bon é apenas uma das oportunidades. Eles dançam também em casamentos e outros festivais. O número de cantores e bandas originárias de Okinawa também é proporcionalmente maior do que os que se originam de outras regiões. É uma cultura mais alegre e menos estressada.

Sendo assim, no o-bon de lá, em vez de os vizinhos saírem caminhando enfileirados segurando lanterninhas como fazem aqui, eles saem, vestindo roupas típicas, dançando e tocando tambor e shamisen. Embora a música seja semelhante, cada vizinhança tem a sua própria dança e há uma espécie de competição quando duas vizinhanças se cruzam em algum ponto da cidade. Eu acredito que os mortos devem acompanhar os vivos na dança, e devem seguir dançando até chegarem de volta ao seu mundo.


A letra dai (大).


O desenho de um barco.


A letra myo (妙).

Aqui em Quioto, o caminho dos antepassados de volta para o mundo dos mortos é iluminado com fogo, que se chama okuribi (送り火). Mas, desta vez não é um foguinho feito dentro ou na frente de casa. Aqui eles colocam fogo nas montanhas! O okuribi de Quioto é famoso internacionalmente e muitas vezes referido como daimonji (大文字), que significa literalmente letra grande ou a letra dai. Acontece que o fogo nas montanhas é feito na forma de letras enormes, e uma dessas letras é o dai (大). As outras letras são myo (妙) e ho (法), que juntas formam uma palavra que significa lei mística (do budismo). Além das letras, há o desenho de um barco e o desenho de um torii (aqueles portões japoneses que tem na frente dos templos). Não sei qual o significado dessa combinação de letras e desenhos e acho que a maioria das pessoas nesta cidade também não sabem. Acho que isso nem é tão importante; o importante é se despedir dos mortos, que só voltaremos a rever no ano que vem.


A letra ho (法) vista de perto e pessoas observando.

Para mim, que não sou budista, o o-bon tem um signifcado mais mundando. Dizem que o o-bon marca o fim do verão. Eu odeio o verão, principalmente o verão de Quioto, onde a temperatura fica entre mais de 35 graus de dia e não menos do que 30 à noite, com a humidade sempre tão alta que a cidade chega a ficar coberta com uma neblina. Adoro o-bon!

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O Imperador é um deus? 

O Imperador Hirohito, após a derrota na guerra, proferiu e assinou uma declaração dizendo que ele era um ser humano comum, que não era um semi-deus. Hoje, quando perguntados sobre o Imperador, os japoneses respondem como papagaios: O Imperador é um ser humano comum e não tem poderes políticos. Ele é apenas um símbolo. E sempre há os que acrescentam: Nós não precisamos de Imperador. Ele não serve para nada.

O Imperador Showa

Pode-se perguntar para qualquer um aqui e a resposta sempre vem praticamente nas mesmas palavras. Por isso eu disse que eles repetem como papagaios. Para mim, isso é um sinal claro de eles sofreram e ainda sofrem lavagem cerebral, tanto por parte das escolas como por parte da mídia. Mas, pelo que eu sinto, eles falam isso da boca para fora, enquanto, mesmo sem perceber, sentem outra coisa.

Com relação a religião, também, todos os japoneses que eu conheço se declaram ateus, embora os mesmos façam hatsumode no Ano Novo, comemorem o o-bom no verão e casem-se ou em cerimônias cristãs (mais de 60%) ou xintoístas. Neste ponto, no entanto, eu acredito que seja um sentimento real: os japoneses não praticam, nem acreditam em nenhuma religião. Tanto é assim, que muitos não entendem mais o que é o xintoísmo.

O xintoísmo é uma religião própria do Japão. Embora tenha grande influência do confucionismo (que não é uma religião) e menos do budismo, é uma religião autenticamente japonesa. O xintoísmo é politeísta, e que cada templo xintoísta — chamado de jinja &mdash é dedicado a um ou mais deuses. O xintoísmo também considera — ou pelo menos considerava — o Imperador como sendo um deus. Este é um ponto que causa grande polêmica, principalmente no ocidente, pois os cristãos acham um absurdo adorar um homem vivo como sendo um deus.

Realmente seria um absurdo se os deuses xintoístas fossem como o Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Mas não são. Eu acho que a analogia mais próxima é com os santos católicos. Com uma grande diferença: os deuses xintoístas não são santos. Uso santo aqui com o sentido de extremente benevolente, caridoso ou inocente. A Madre Tereza é uma santa nesse sentido, mas os deuses xintoístas não são. Eles têm características humanas (embora nem todos sejam humanos), tem as suas preferências, os seus desafetos e por vezes se vingam dos seus inimigos. Nesse ponto, podem lembrar um pouco com os deuses (ou santos) da umbanda, mas só um pouco, pelo simples fato da umbanda também ser uma religião politeísta.

Acontece que todos os deuses da umbanda são mitológicos. Não existe a história deles como homens. Eles sempre foram deuses. Muitos deuses do xintoísmo, por outro lado, foram homens, como os santos católicos. Eu não estudei muito sobre o xintoísmo, mas pelo que eu entendo, é muito mais simples de erguer um templo para venerar um ex-homem e tê-lo aceito pelo xintoísmo do que canonizar um santo católico.

Para se ter uma idéia da comparação, eu diria que se o Brasil fosse xintoísta, Ayrton Senna seria um deus. Provavelmente também o seriam, assim que falecessem, o Pelé e o Roberto Carlos, afinal, ambos são reis não são? Posso citar outros como Tiradentes, Santos Dumond, Carlos Chagas (o da doneça de Chaas) e, porque não, Zumbi dos Palmares. Cada um desses teria um tema. Ayrton Senna seria o deus dos motoristas; Tiradentes, o deus dos dentistas, e da saúde bucal; Carlos Chagas seria o deus da cura das doenças incuráveis; Santos Dumond, o deus da aviação e da pontualidade; e Zumbi dos Palmares poderia ser o deus da luta pela liberdade.

É nesse sentido que o xintoísmo considera(va?) o Imperador um deus. O Imperador, contudo, declarou da sua própria boca que não era um deus. O que mudou? Na minha opinião, nada. Pode ter mudado a constituição, podem ter-lhe tirado o poder político, podem tê-lo desmoralizado perante o povo japonês e o mundo, mas não há como tirar-lhe a divindade. Deus existe enquanto houver quem acredite nele. Como eu disse, os japoneses não acreditam, mas muita gente, quando precisa de ajuda, vai até o templo do seu deus preferido, bate três palminhas, toca o sino e faz o seu pedido.

No xintoísmo não se exige uma fé do tamanho de um grão de mostarda como no cristianismo. Não precisa ter fé. A sua fé não vai mudar a vontade dos deuses. Não há a obrigação de acreditar e, talvez, por isso mesmo, e mesmo sem parecer, os japoneses acreditam. No Japão não é um sacrilégio falar abertamente que não acredita em Deus (em nenhum deus). E também não é uma incongruência se essa mesma pessoa sair dali e ir fazer um pedido num templo. Nesse sentido, embora muitos tenham convicção de que o Imperador não é um deus, outros, talvez por costume e tradição, talvez por genuíno sentimento religioso, embora possam negar com a boca, acreditam em seus corações.

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Hotéis 

No Japão existem vários tipos de hotel, com características diferentes e voltados para mercados diferentes. Há os hotéis de turismo, para pessoas que não se importam em gastar um pouco mais em troca de um ambiente agradável e um atendimento de primeira. Há hospedarias de estilo japonês conhecidas com ryokans. Os hotéis de negócios são para pessoas que viajam a negócios e só precisam de um lugar para dormir. Há também os love hotels, que são para quem quer apenas fazer amor :).

Aproveitando que a questão dos love hotéis foi levantada no artigo anterior, eu resolvi falar um pouco sobre os vários tipos de hotéis que existem no Japão. Em quase 5 anos trabalhando em hotel, eu acabei aprendendo algum coisa sobre os tipos o que os japoneses esperam de um hotel.

City Hotel (シティーホテル)

Este tipo de hotel é próximo ao que nós entendemos por “hotel 5 estrelas”, sendo por isso geralmente classificados como kokyu hoteru (高級ホテル - hotel de alta classe). Esses hotéis oferecem, como padrão, quartos relativamente espaçosos, geralmente para duas duas pessoas. Há também quartos melhores (=maiores), com alguns acessórios a mais (o que muda exatamente depende do hotel), com uma sacada e/ou uma vista melhor. Esses quartos são chamados de deluxe (デラックス) ou superior (スーペリア). Obviamente, há também as suítes, com pelo menos dois ambientes: uma sala de estar e o quarto de dormir.

Não pode faltar também uma sala de ginástica, geralmente com piscina e sauna e um business center, com computadores ligados na internet, impressoras, fax, telefone e outras instalações necessárias aos homens de negócio. Em alguns hotéis, há pontos de acesso à internet sem fio no saguão também.

Geralmente nos andares inferiores, há lojas e restaurantes que não se limitam aos hóspedes, mas também atendem o público em geral. Tudo muito chique e também muito caro. Dependendo do hotel, pode haver também salões de beleza, barbearias, engraxate, padarias, cafés, bares, etc. Muitos hotéis têm terraços, onde no verão eles fazem o que se chama de beer garden, onde se paga para entrar e come-se salgados e bebe-se cerveja à vontade enquanto se aprecia a paisagem e a brisa do verão. É caro, mas vale a pena ir uma vez por ano, afinal é só no verão.

Mesmo num hotel pequeno, há pelo menos um enkaijo (宴会場 - salão de banquetes/convenções), mas geralmente há vários de tamanhos diferentes para abrigar vários tipos de reunião, que podem ser desde recepções particulares com algumas dezenas de pessoas até convenções de grandes empresas com várias centenas de participantes. Os hotéis maiores também aproveitam esses espaços para fazer dinner shows, que são jantares com a apresentação ao vivo de cantores famosos.

Até aqui, eu acho que a descrição não é muito diferente do que seria um hotel 5 estrelas no ocidente ou em qualquer outro lugar do mundo. No Japão, no entanto, para um hotel ser visto como “de alta classe”, há dois pontos que são fundamentais: (1) a espaçosidade, principalmente do saguão e dos corredores e (2) a qualidade do atendimento prestado por seres humanos. Se faltarem esses dois pontos, por melhores que sejam as camas, os restaurantes, a piscina ou qualquer outra instalação, os japoneses não hão de considerá-lo um bom hotel.

Num país onde as pessoas moram em apartamentos e casas apertadas, onde as ruas são estreitas e cheias de gente e onde o preço do metro quadrado de um terreno na cidade é caríssimo, o abuso do espaço na construção do saguão e dos corredores dá um ar de riqueza ao ambiente. Os saguões são geralmente construídos com poucos obstáculos à visão, muitos espaços vazios e um pé-direito bem alto de forma que se possa ver coisas e pessoas a grandes distâncias dentro do ambiente.

O atendimento

Não sei se é porque esse é o meu trabalho, mas eu acho que não há nada mais importante num hotel de alto padrão do que o atendimento. As instalações podem não ser tão boas, o hotel pode não ter piscina, nem bons restaurantes, mas se tiver um atendimento atencioso, caloroso e respeitoso, nada mais importa. O oposto ainda é mais verdadeiro: mesmo que um hotel tenha as melhores camas, tevês de tela plana de 30 polegadas, restaurantes com pratos de todo o mundo, etc., etc., se o atendimento não for bom, os hóspedes não ficarão satisfeitos. A verdade é que japonês gosta e paga para ser paparicado.

O bom atendimento consiste em fazer o hóspede sentir-se bem. Para conseguir fazer isso, é preciso transmitir um sentimento de hospitalidade do fundo do coração. Inclui-se aí o sorriso, o uso das palavras, os gestos, a compaixão e a prestatividade. São coisas que somente seres humanos são capazes de proporcionar e é isso que o hóspede espera. Eu demorei um monte para consegui entender e me acostumar com essa filosofia.

No início, eu achava muito difícil me oferecer para segurar as malas dos hóspedes que chegavam no hotel. Acontece que os japoneses não carregam muita bagagem. A maioria traz apenas uma mochila ou uma bolsa não muito pesadas. No Brasil, se, ao entrar num hotel os mensageiros se oferecessem para segurar a minha mochiila, eu acharia estranho e me sentiria até incomodado. Assim, aqui no Japão também, eu achava difícil de me oferecer para segurar as mochilas dos hóspedes porque achava que os estava incomodando. Bom, os hóspedes americanos, de fato, sentem-se assediados, porque eles acham que terão que pagar gorgeta (aqui no Japão não se paga gorgeta). Para os japoneses, é o contrário: eles estranhariam se ninguém se oferecesse para segurar a mochila ou mesmo a bolsa deles.

E assim é todo o resto. Para tudo aquilo que os hóspedes poderiam fazer por eles mesmos, haverá uma pessoa para fazer isso por eles. No hotel que eu trabalho não há máquinas de gelo, nem de refrigerante, nem de cigarro, nem nenhuma outra máquina de auto-atendimento. Todo o atendimento é feito por pessoas. Isso é alta classe.

A Capela

No Japão, todo hotel de alta classe que se prese tem também uma capela. Mas para que uma capela no hotel? Ainda mais no Japão, onde o povo não é cristão e liga muito pouco para religião? Na cabeça dos japoneses, um casamento, para ser chique tem que ser feito em hotel e a capela serve para realizar os casamentos. Não são casamentos cató"licos e nem de nenhuma grande religião, mas são casamentos em estilo cristão.

Casamento é um importante serviço prestado pelos hotéis. O mercado de casamento é tão grande que existem até locais especializados chamados de kekkonshikijo (結婚式場 - traduzindo litee ralmente fica: local para realizar casamento), onde há uma capela e um salão de banquetes muito semelhantes às dos hotéis. No hotel que eu trabalho chega-se a realizar mais de 10 casamentos no mesmo dia. um a cada meia hora!

O hotel oferece um serviço completo de casamento, vendido na forma de um pacote, que pode incluri desde o cabelereiro para noiva, aluguel de salas de espera para parentes, filmagem (muitas capelas têm câmeras instaladas em lugares estratégicos), fotografias, etc., até banquetes e o quarto para a noite de núpcias.

No Brasil, quando se fala em casamento, pensa-se em igreja. No Japão, casamento = hotel.

Hotéis de negócios (ビジネスホテル)

São hotéis menores, destinados a pessoas que buscam apenas um local para dormir em viagem de trabalho. Eu acho que o nível corresponde mais ou menos aos hotéis de 3 estrelas do Brasil. Ao contrário dos city hotels, os hotéis de negócios são caracterizados pelo pequeno número de funcionários, visto que a mão-de-obra tem um custo muito elevado no Japão. Esses hotéis geralmente não tem serviço de quarto, mensageiros e concierge. Alguns chegam ao extremo de substituir os funcionários da recepção por máquinas onde é possível fazer o check-in automaticamente. Da mesma forma, no saguão encontram-se máquinas de venda de cigarros, refrigerante, cerveja e até lámen e batata-frita. Em muitos casos, não local para tomar banho nos quartos; no máximo encontra-se apenas uma pia. Para tomar banho, nesse caso, os hóspedes vão ao daiyokujo (大浴場), um local onde há uma ou mais banheiras grandes, banquinhos e chuveirinhos, onde os hóspedes podem tomar banho no estilo japonês. Alguns hotéis de alta classe, especialmente os hotéis de turismo, também contam com um daiyokujo, mas não limitam os hóspedes a essa única opção.

Quanto à localização, os hotéis de negócios sempre ficam perto das principais estações de trem da cidade, o que, para os hóspedes significa uma economia de tempo e dinheiro. Não só os hotéis se localizam perto das estações, como muitos deles pertencem às grandes empresas administradoras das linhas de trem e de aviação doméstica. Os hotéis que não pertencem a empresas de transporte, na maioria fazem parte de alguma rede especializada em hotéis de negócios. Se, para os hotéis de alta classe, o que conta é o atendimento, para o hotéis de negócio, dois pontos são fundamentais (1) a localização e (2) o preço.

O preço fica em torno de 5 a 8 mil ienes por quarto simples (para 1 pessoa). É mais barato do que o preço do quarto mais simples em city hotéis, mas se a idéia é dividir o quarto com um colega, o city hotel pode sair mais barato do que o hotel de negócio. O que o city hotel não garante é a comodidade nos transportes e a disponibilidade de refeições baratas, como os cup lamen vendidos nas máquinas e sanduíches e biscoites vendidos em lojas de conveniência nas imediações ou dentro do próprio hotel. Num hotel de alto padrão, uma refeição simples não sai por muito menos de 2 mil ienes, ao passo que um cup lamen pode ser adquirido por menos de 300 ienes.

Hotéis-cápsulas (カプセルホテル)

Representam a evolução dos hotéis de negócios. Concentram-se em oferecer aquilo que os clientes de hotéis de negócio mais procuram: proximidade a estações, atendimento rápido e acima de tudo, preço baixo. Os usuários de hotéis de negócio procuram apenas um lugar para tomar um banho e dormir algumas horas.

Em troca do preço mais baixo, abre-se mão do espaço. Neste tipo de hotel, não há quartos. No lugar do quartos, há cápsulas, dentro das quais há apenas uma cama, uma tevê, um microondas e um frigobar. Para nós parece inaceitável, mas considerando as condições em que muitos japoneses vivem em apartamentos minúsculos de apenas um cômodo, uma cápsula de hotel pode ser mais confortável do que o seu próprio lar.

Eu acho que os hotéis-cápsula existem somente no Japão, estando ainda limitado às grandes cidades com Tóquio e Osaca. Por isso são considerados por muitos estrangeiros algo tão ineteressante quanto os castelos, templos e outras atrações turísticos, sendo inclusive objeto de reportagens em revistas e tevês ao redor do mundo. Assim, além de homens de negócios, os hotéis-cápsula também são freqüentados por turistas estrangeiros.

Saunas

Todo banho público moderno, adamias de ginástica e spas no Japão contam com uma sauna. Entretanto, existem estabelecimentos chamados conhecidos pelo nome de sauna, que são uma espécie à parte. No Brasil, sauna pode significar um lugar com piscina, academia de ginástica e saunda, podendo contar com massagem e outros serviços de estética. Aqui esses lugares se chamam de kenkorando (健康ランド). Outra definição de sauna no Brasil é uma casa de sensualidade, como diria o Tiago Espírito Santo, onde também pode haver serviço de massagem especial. Aqui, esses lugares são chamados de sopurando (ソープランド). Então, afinal, o que vem a ser uma sauna no Japão?

Eu nunca entrei numa sauna, mas pelo que eu ouvi falar é um lugar destinado ao repouso, aberto 24 horas por dia. As saunas oferecem além de um local para tomar banho, camas onde se pode tirar um cochilo ou passar a noite. A diferença com relação aos hotéis é que não só o banheiro é comum (usado por todos), como também o é o quarto. Em vez de quartos ou cápsulas individuais, as saunas têm beliches (camas de dois andares) numa sala grande. Também não há serviço de quarto, afinal não há quartos, nem outros serviços típicos de hotel. Por outro lado, as saunas podem contar com uma sala de leitura, com coleções de mangás e sofás confortáveis onde também dá para tirar um cochilo.

Ryokan (旅館)

A palavra ryokan se traduz literalmente por prédio para viajantes, ou seja, é a palavra japonesa que significa hospedaria, ou hotel. Os hotéis como conhecemos, entretanto, são chamados de hoteru. Os ryokans são hospedarias em estilo japonês. Os quartos têm piso de tatami e, em vez de camas, à tardezinha, as camareiras estendem futons. Normalmente, os ryokans não contam com banheiros individuais para cada quarto. Há um daiyokujo onde todos tomam banho, contudo a qualidade do daiyokujo é muito superior à dos hotéis de negócios e não tem comparação com o que é oferecido nas saunas.

Os funcionários dos ryokans vestem roupas típicas e o atendimento é mais caloroso do que nos hotéis. Aqui em Quioto, nesse tipo de hospedaria, os funcionários falam em dialeto local. Não sei se o mesmo acontece em outras regiões do Japão, pois dependendo do lugar, se eles falarem em dialeto, hóspedes de outras regiões não entenderiam. O dialeto de Quioto, por outro lado, além de ser bem conhecido, permite o uso de linguagem de modéstia e de respeito, herança dos tempos em que a cidade foi a sede da Família Imperial. O uso do dialeto, ajuda a estabelecer a atmosfera de Japão tradicional que os clientes deste tipo de estabelecimento buscam.

Um ponto em que os ryokans se difereciam dos hotéis é nas refeições (jantar e desjejum), que geralmente estão incluídas na diária. Eu, particularmente, prefiro pagar menos e não precisar fazer as refeições no ryokan. Como eu estou dizendo, esses lugares se esmeram por proporcionar um ambiente japonês (não há outra palavra melhor para definir isso). Sendo assim, imaginem o tipo de comida que eles servem nesses lugares! Eu já passei fome por me recusar a comer sopa de polvo e outras coisas que eu não sei nem o nome nem o que tinha dentro. Para os japoneses, que gostam de comer coisas esquisitas, as refeições estão entre os pontos mais importantes na avaliação de um ryokan. É importante que o ryokan ofereça pratos típicos da região onde se encontra, feitos com ingredientes de alta qualidade.

Basta que uma hospedaria ofereça quartos de tatami para que seja chamada de ryokan. Todavia, assim como os hotéis podem ser classficados em vários tipos, também existem ryokans de negócios, ryokans de onsen, ryokans de turismo, etc. Os ryokans de negócios oferecem quartos individuais e estão localizados nas cidades, próximo às estações. Os ryokans de onsen tem como atração principal locais de banho com águas termais. A palavra onsen (温泉) significa águas termais (literalmente, poderia ser traduzido como fonte quente). Muitos onsens, no entanto, são artificiais (a água é aquecida artificialmente).

E, quando se fala em ryokan, a imagem é de uma hospedaria tradicional, localizada em um local relativamente afastado do centro da cidade, com uma bela paisagem, ótimas refeições e ótimo local de banho (daiyokujo). São essas as características que mais atraem os hóspedes.

Love hotel (ラブホテル)

Finalmente, o assunto que motivou este artigo. Os love hotéis são chamados de rabuhoteru, muitas vezes, abreviando-se para rabuho. Por vezes, utiliza-se a palavra hoteru, que é a pronúncia japonesa para a palavrahotel, ou seja, a distinção entre um hotel normal e um love hotel fica por conta do contexto. Por exemplo, se for para convidar uma moça para ir para um local desses, pode-se dizer: Hoteru ni itchau? (ホテルに行っちゃう?). A moça não terá nenhuma dúvida sobre o tipo de hotel que estamos falando.

Os love hotéis japoneses correspondem mais ou menos ao nosso conceito de motel, embora haja várias diferenças. Ao contrário dos motéis brasileiros, os love hotéis geralmente localizam-se nas áreas centrais das cidades, onde há vida noturna. Dependendo da cidade, há também áreas com uma concentração maior de love hotéis, embora não sejam propriamente bairros com vida noturna. Aqui em Quioto tem um lugar assim próximo ao Templo Heian (aquele que aparece no filme Encontros e desencontros). Tem um perto da minha casa também. Há muitos restaurantes no bairro onde eu moro...


Um love hotel com uma placa enorme anunciando
o valor do descanso: 2.500 ienes.

O prédio do love hotel pode lembrar um hotel de negócios, mas há alguns detalhes que não deixam dúvidas. Em primeiro lugar, os hotéis de negócio geralmente têm pelo menos uns 10 andares, enquanto os love hotéis têm no máximo 10. A entrada de um hotel de negócios é aberta, geralmente com uma porta de vidro, por onde pode-se enxergar o interior, e onde pode haver um porteiro. A entrada dos love hotéis é feita de modo que as pessoas possam entrar rapidamente sem serem vistas. Para isso, dependendo do lugar, eles colocam plantas ou põem uma parede na frente da entrada, de modo que se estiver apenas passando pela frente do prédio, não é possível enxergar a porta diretamente. As janelas dos love hotels são pequenas e de vidro espelhado ou fumê. Não há como enxergar de fora para dentro através daquelas janelas e não há como abri-las para colocar a cabeça pra fora. Os hotéis de negócios, por outro lado, têm janelas relativamente maiores, de vidros transparentes e às vezes até sacadas. Em muitos hotéis de negócios também não dá para abrir a janela o suficiente para colocar a cabeça para fora, mas o motivo aí é outro: prevenção de suicídios! Os administradores de hotel geralmente não gostam que os hóspedes pulem das janelas.

Dito isso, nem todos os love hotéis se parecem com hotéis normais. Por exemplo, muitos utilizam letreiros de neon, outros têm placas com letras garrafais anunciando os preços e serviços e há também os cuja arquitetura do prédio em si não deixa dúvidas. Agora, se entrar dentro, vai se deparar com um atendimento que acredito que não existem em nenhum outro lugar do mundo. Os love hotéis são planejados de forma que não o contato com funcionários e acima de tudo com outros clientes seja minimizado ao mínimo possível. Na entrada, em vez de um balcão de recepção, há um painel com fotos dos quartos. As fotos iluminadas são dos quartos disponíveis e as apagadas dos quartos ocupados. Basta apertar um botão próximo à foto do quarto escolhido e escolher o tempo de utilização e o check-in está feito, sem precisar falar com ninguém. Para maior comodidade, os clientes são guiados até os quartos, não por um mensageiro do hotel, mas por setas iluminadas indicando a direção a seguir. Basta ir seguindo as setas e chegará ao seu quarto sem nenhum problema. As chaves do quarto não são entregues no check-in. Em vez disso, o quarto já estará com a porta aberta esperando para ser adentrado.

O que tem dentro do quarto varia muito de lugar para lugar e de tipo de quarto dentro do mesmo hotel. Eu vi uma reportagem sobre um hotel desses em Osaca em que o quarto tinha dois andares. No primeiro andar, coisas normais de motel: cama, sofá, banheira de hidromassagem, etc. No segundo andar, um piscina, com um telão enorme para assistir filmes pornográficos enquanto se nada. Eu fiquei surpreso com o preço que eles anunciaram: 35 mil ienes por noite! Para quem não tem idéia do valor, basta comparar com o preço dos outros tipos de hotel. Um quarto minúsculo para duas pessoas, com duas camas, uma cômoda um banheiro simples e uma tevê, num hotel de negócios custa em torno de 8 mil ienes. Um quarto deluxe num city hotel, que é mais espaçoso, com camas mais confortáveis e uma decoração mais rebuscada do que o do hotel de negócios, não sai por menos de uns 30 mil, mas pode passar de 50 mil por noite! Ou seja, considerando a qualidade dos quartos, os love hotéis são absurdamente baratos.

Com essa discrepância toda no preço surge a questão de por que as pessoas não param em love hotéis em vez de hotéis comuns, mesmo que seja só para dormir. Eu acho que existe um motivo cultural. O japonês é não é um povo esperto. Os love hotéis são para fazer sexo e é para isso que eles vão lá. Além do mais, nos love hotéis não há liberdade para entrar e sair do prédio e o check-in geralmente é muito tarde. Enquanto nos hotéis normais o check-in inicia entre as 13 e 14 horas, num love hotel, é só depois das 22 horas. Num love hotel, não se pode pedir um ferro de passar roupa ou um conjunto de agulha e linha para pregar aquele botão que caiu da sua camisa social. Eu acho que esses detalhes são levados em consideração por grande parte dos japoneses.

Eu falei das várias formas que os love hotéis se esmeram por proteger a privacidade dos hóspedes, mas há um motivo, que talvez seja o mais decisivo para que as pessoas não utilizem os love hotéis como hospedarias normais. Acontece que esses estabelecimento somente aceitam casais, no sentido estrito e conservador da palavra. Ou seja, não se pode entrar sozinho num hotel desses. Também não se pode entrar acompanhado de um amigo do mesmo sexo. Eu tenho um amigo coreano que tentou entrar com um amigo e foi barrado (o meu amigo não é gay; eles só queriam ver como era um hotel desses por dentro). Amigos de sexos opostos, por outro lado, sentem-se constrangidos de parar num lugar desses. Mas eu comecei este parágrafo falando da privacidade. Como eu disse, no check-in não se vê nenhum funcionário nem nenhum outro hóspede do hotel. Por não ver, as pessoas acreditam que também não estão sendo vistas. Todavia, se assim fosse, então como eles poderiam barrar casais de 1 indivíduo e casais do mesmo sexo? Nunca ouvi falar, mas acredito que eles barrem também menores de idade.

Num hotel normal, a diária corresponde a um período que vai das 13 ou 14 horas de um dia às 11 ou 12 horas do dia seguinte. Nos love hotéis existem várias opções, começando o descanço, que corresponde a um período de utilização de 1 hora e meia a 3 horas, dependendo do estabelecimento. Pode haver preços promocionais para o uso durante as horas diurnas e há também uma opção mais cara de utilização somente durante as horas noturnas. O período de utilização também é selecionado através de um botão no painel de check-in. O pagamento é feito na saída, onde há um caixa humano dentro de uma sala com uma pequena abertura por onde se pode passar o dinheiro para o caixa e receber o troco, mas é impossível enxergar quem está lá dentro e muito menos ser visto por essa pessoa. Eu não tenho notícias, mas acredito que em muitos lugares, o pagamento deve ser feito em máquinas automáticas, eliminando o constrangimento de trocar palavras com o funcionário do caixa.

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Gokon (合コン) 

Gokon é uma palavra híbrida formada por um caractere chinês (合), que significa “combinar” e um fragmento em katakana (コン), que é a abreviação de (コンパ - konpa), que por sua vez vem da palavra inglesa “company”, que aqui no Japão tem o sentido de “reunião para beber e conversar”. Sendo assim, daria para traduzir esta palavra como “festa combinada”, sendo que aqui combinada se refere ao fato de que nos gokons necessariamente o número de homens é exatamente igual ao número de mulheres. Caso esse requesito não seja atendido, não teremos um gokon.

Os gokons são arranjados por um casal de amigos ou conhecidos. Por exemplo, eu posso combinar com uma amiga que ela irá convidar um certo número de amigas e eu convido o mesmo número de amigos. O número ideal é entre 4 e 5 de cada sexo. Escolhemos então um local para o encontro, geralmente uma izakaya (bar em estilo japonês). As izakayas são ideias porque proporcionam salas separadas para cada grupo de clientes, de forma que não são vistos pelos outros freqüentadores do local, permitindo que o grupo possa ficar mais à vontade. O casal que organiza o gokon fica responsável pela reserva do local, contato com os outros participantes e cálculo e recolhimento do dinheiro.

Ao chegar ao local, todos sentam ao redor da mesa. A distribuição das cadeiras pode variar, mas pelo que eu vi até hoje, geralmente no início, sentam todos os homens de uma lado e todas as mulheres do outro e começam a beber e conversar, enquanto comem salgadinhos e outros tira-gostos como saladas, sushi, edamame, sashimi, yakitori, etc. (esses tira-gostos não são exclusividades de gokons, mas apenas o que geralmente é oferecido em izakayas). O objetivo é se conhecerem, ou melhor dizendo, os homens conhecerem as mulheres e vice-versa, já que tanto o grupo dos homens como o das mulheres já são amigos ou conhecidos entre si. No início, as conversas geralmente giram em torno do local de origem de cada um, do seu trabalho, gostos para música e comida, etc.

Depois de um certo tempo, os organizadores convidam todos a trocarem de lugar, até que todos tenham a oportunidade de conversar com todos. Com o consumo de álcool, os assuntos podem ir mudando, e podem acontecer declarações de amor à primeira vista, discussões e desagravos, principalmente entre os homens, etc. Nessas horas também, é comum organizar algumas brincadeiras. Vou descrever duas dessas aqui:

Brincadeira do rei
O organizador escreve números numa das ponta de hashis (pausinhos de comer). Em um desses hashis, ele escreve “rei”. O organizador segura então os hashis de modo que a ponta que onde ele escreveu não fique visível e pede a cada participante que escolha um. Quem pegar o que estava escrito “rei” tem o direito de emitir uma ordem do tipo: “O rei manda o número 1 fazer ··· com/para o número 5.” Parece (e é) brincadeira de crianças, a não ser pela diferença no tipo de ordem que o rei dos gokons é capaz de dar. Por exemplo: “O rei manda o número 4 dar um beijo de língua no número 3”!
Brincadeira do pocky
Pocky é um biscoito em forma de bastão com cobertura de caramelo ou chocolate ou outra coisa doce. Se fosse no Brasil, esta brincadeira se chamaria “brincadeira do plic-plac”. A brincadeira é simples: um casal tem que comer um pocky, cada um começando por uma ponta. Não pode deixar o pocky cair, mas quase todos acabam derrubando, por isso ganha o casal que deixar cair o menor pedaço. Embora a idéia seja comer até o fim, sem se tocar, o normal é que, se o casal se propor a comer até o fim, acaba por se beijar na boca! heheheh

O tempo que podem passar na izakaya geralmente é limitado a umas duas horas. Depois disso, o grupo segue para algum outro local, sendo o karaoke o destino mais comum. A hora do trânsito entre um local é outro é uma boa oportunidade para conversar mais reservadamente e trocar telefones. Deve-se ter muito cuidado com a hora exata de pedir o telefone da moça, porque as japonesas não se sentem bem em dar o telefone da frente de todo mundo.

Como segundo local, escolhe-se um lugar em que se possa ficar mais tempo, pelo menos até pouco antes do horário do último trem, que é quando o gokon acaba, pois as moças têm que voltar para casa e se perderem o último trem, terão que esperar até depois das 5h da manhã, quando novamente os trens começam a circular. Nesta hora, há mais uma oportunidade para se conversar a sós, ao acompanhar a moça até a estação.

Outros detalhes

Em primeiro lugar, uma coisa que se fala muito é que você deve ter muito cuidado com a escolha da conhecida para quem vai propôr o gokon. A regra básica é: a moça sempre vai escolher amigas mais feias dos que ela, pois o gokon é uma espécie de competição para impressionar os rapazes (e quem sabe conseguir um namorado). Mas nem sempre ela pode escolher, pois ela tem a responsabilidade de juntar um número definido de amigas que estejam dispostas a participar do gokon e que não tenham compromisso no dia marcado. Esse esforço pode significar que ela convidará amigas mais bonitas e interessantes que ela, mas geralmente significa que ela trará algumas moças abaixo do nível que ela mesma considera ideal. Entre os rapazes, acontece o mesmo, e pode acabar vindo uns caras muito esquisitos.

Isso faz com que o gokon se torne uma coisa bem democrática. Mesmo que você seja feio ou esquisito, poderá ser convidado por um conhecido para completar o número de participantes.

Em gokon, há uma etiqueta a ser respeitada. É de muito mal gosto partipar de um gokon e ficar quieto sem falar nada. Há que se fazer um esforço. Mesmo que não encontre ninguém que o interesse, deve conversar com todo mundo e se possível trocar telefones, pois essa moça não interessante é um contacto que pode trazer outras moças mais interessantes. Portanto, mesmo que o casal não tenha se acertado muito bem, trocam o telefone para combinar um próximo gokon com outro grupo.

O objetivo dos gokons é arranjar namoro, mas raramente você vai encontra alguém interessante e que se interesse por você no primeiro gokon. Por isso, muitos japoneses, principalmente universitários, chegam a participar de mais de um gokon por semana. Alguns até publicam o seu ”diário“ de gokons na internet.

Por que os japoneses fazem gokon?

Embora no Brasil, nós possamos imaginar esse tipo de econtro e até praticá-lo, não acho que se difundiria tanto como aqui. É que os brasileiros têm outras formas de encontrar uma namorada. Nós vamos a bares e boates e puxamos conversa com moças para quem não fomos formalmente apresentados, ”ficamos“ e, se der certo, namoramos. Mesmo quem não sai muito à noite, sempre tem uma amiga, uma colega de trabalho ou de aula, por quem pode se interessar e com quem pode namorar.

No Japão tudo isso é mais difícil. Primeiro, não há tantos bares e boates como há no Brasil e, os japoneses quando vão a esses lugares, é para beber e/ou dançar. Embora seja possível puxar conversa com desconhecidos (e isso acontece), é muito difícil de ficar com uma japonesa deste jeito. A não ser, é claro, que você tenha uma ferrari, muito dinheiro, etc. Neste aspecto, as mulheres são iguais em todo o mundo. Namorar com colegas de trabalho ou de aula no Japão é muito complicado, pois o povo aqui fofoca demais. No trabalho, principalmente, se houver uma relação hierárquica entre o casal, a coisa complica mais ainda. Acontece de colegas namorarem, mas o fazem com a maior discrição e no mais estrito segredo. Tanto é assim que eu já presenciei dois casos na universidade e um caso no trabalho de casais que namoravam em segredo e nunca ninguém desconfiou. De repente, eles anunciaram que iam se casar!

No Japão, a venda de pílulas anti-concepcionais é controlada e é necessário conseguir uma receita médica para adquiri-las. Portanto, se as japonesas solteiras quiserem comprar pílulas, terão que confessar para o médico que querem dar com tranqüilamente. O que acontece é que elas não compram e, portanto, não usam pílulas. Como método anti-concepcional resta a camisinha. Essa sim, é vendida até em máquinas automáticas em banheiros públicos, pois muitos japoneses têm vergonha de comprá-las nas lojas de conveniência. A camisinha, entretanto, não é um método 100% garantido. Isso faz com que o sexo se torne uma coisa muito mais séria por aqui, pois o risco de gravidez é bem mais alto. Uma gravidez acidental redunda em casamento forçado (tem até uma palavra para isso: dekikon), que aliás é muito comum por aqui. Bom, eu disse tudo isso para explicar por que o namoro no Japão é uma coisa bem mais séria do que é no Brasil. Ou, em outras palavras os japoneses não ”ficam“.

Sob essas condições, fica mais fácil de enteder porque eles procuram conhecer pessoas fora do seu círculo de amizades e conhecidos para um namoro sério e o gokon é um oportunidade perfeita para isso. Mas o gokon não é apenas uma conveniência que se criou devido ao ambiente em que os japoneses vivem. O gokon, embora seja um tipo de atividade que não existe há muito tempo, é pura e autêntica cultura japonesa.

O gokon, é um encontro para conversas informais, com o objetivo de conhecer gente nova com o intuito final de encontrar alguém para namorar. Mas o gokon não é exatamente um econtro informal (pelo menos para os nossos padrões), afinal há um protocolo a ser seguido. Começa pelo fato de que o encontro tem que ser planejado com pelo menos duas semanas de antecedência. Se a pessoa não puder ir, então deve se responsabilizar por mandar alguém no seu lugar para não estragar o encontro dos outros. Durante o encontro em si, há regras a serem seguidas. As brincadeiras picantes e as declarações de amor à primeira vista que eu citei não são exceções, pois só se faz isso quando todos estão (mesmo que supostamente) alcoolizados. Não estou dizendo que por se estar alcoolizado, o desrespeito à etiqueta é permitindo, mas ao contrário, a etiqueta manda que todos divirtam e divirtam os outros e também que esqueçam qualquer acontecimento constrangedor que tenha se passado quando estavam sob o efeito do álcool.

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Futon de casal 

Nas residências japonesas tradicionais, não há camas. No lugar delas, os japoneses estendem uma espécie de colchão chamado futon sobre o tatami e dormem ali. Quando acordam de manhã, recolhem os futons e guardam-nos no oshiire (armário). O kotatsu (pequena mesinha com aquecimento para os pés), que havia sido posto num canto à noite, é colocado no centro da sala e os zabutons (almofadas) são distribuídos ao redor do kotatsu. Pronto: o que à noite era quarto de dormir, pela manhã transformou-se em sala de estar.

As casas mais antigas têm várias peças que servem como quartos de dormir separadas por finas portas de correr feitas madeira com “vidros” de papel, para passar a luz. Basta abrir essas portas, para que o conjunto de todos os quartos se converta numa espaçosa sala de estar. Para cada uma dessas salas há um acesso a partir do corredor e outro a partir da sala visinha. Dessa forma, se todas as portas forem abertas, teremos uma grande sala com várias saídas para o corredor, muito bem arejada e iluminada.

Alguém pode pensar que as casas antigas têm essa configuração por causa da falta de espaço no país como um todo, mas lembrem-se que eu estou falando das casas antigas, de um tempo em que o Japão não era suporpovoado como é hoje. Em outras palavras, a arquitetura das residências antigas deriva de outros elementos inerentes à cultura japonesa, os quais, infelizmente, eu não sei quais são. E, se o motivo fosse realmente a falta de espaço, não haveria como explicar o fato de que cada vez mais os novos apartamentos e casas são construídos em estilo ocidental: com um quarto de dormir com cama separado da sala de estar, onde há sofás e uma mesa de jantar. Até mesmo em apartamentos pequenos, de uma peça só, muitos japoneses colocam ali uma cama, mesmo sobre o tatami.

Embora, como dito acima, o motivo principal para a utilização de futons em vez de camas não seja a limitação no espaço, esse costume vem a calhar quando de fato essa situação se apresenta. Eu tenho um amigo que sempre diz que a família dele é pobre. É uma família de 4 pessoas e hoje eles moram em 3 apartamentos de 1 peça cada um, mas antigamente, moravam todos em 1 apartamento de e 1 paça. O meu amigo sempre falava que quando estava no ginásio, sentia-se prejudicado em seus estudos porque simplesmente não tinha espaço para fazer os deveres de casa. Ele conta que fazia os deveres numa mesinha que ficava num canto, mas que não podia estender as pernas nem se mexer muito para não bater na cabeça do seu pai que estava dormindo a poucos centímetros dali. Ou seja, quando eles estendiam os 4 futons, não sobrava nenhum espaço livre no apartamento. Deitavam-se sempre na mesma posição: o pai, a mãe, o irmão mais velho e o meu amigo.

Futons estendidos sobre o tatami.

Nesse caso, todos dormiam na mesma peça. Eu imagino que se houvesse duas peças no apartamento, os pais dormiriam numa peça e os filhos na outra, mas não tenho certeza. Cada um, no entanto terá o seu futon, inclusive o pai e a mãe. Não existe futon de casal. Eu também não acharia estranho se o pai dormisse numa peça e a mãe noutra, afinal, os futons foram feitos para dormir. Eu nunca entrei numa residência japonesa à noite, quando todos estão preparados para dormir, e duvido que eles permitam que alguém entre lá nessa hora, mas pelo que eu vejo em filmes e novelas é assim mesmo.

Na nossa cultura, por outro lado, um casal casado deve dormir em cama de casal. Só não fazem isso quando estão de mal, já pensando em se separar, ou depois de velhos, quando um ronca muito, por exemplo. Pensando bem, o motivo dos casais casados dormirem na mesma cama é que eles fazem sexo. Quando não dormem na mesma cama é porque não querem mais fazer sexo (porque estão brigados, ou porque estão velhos e cansados, etc.). Se é assim, então será que os casais japoneses que dormem em futons separados não fazem sexo? Pelo que eu vejo em filmes, o sistema é o seguinte: o marido visita o futon da mulher, faz o que tem que fazer e volta dormir no seu. Não me perguntem como faziam os pais do meu amigo que dormiam todos na mesma peça!

É interessante como essa cultura sobrevive, mesmo dentro da arquitetura moderna ocidentalizada. No hotel em que eu trabalho, até alguns anos atrás, havia pouquíssimos quartos com camas de casal. Eu sempre achei estranho que os casais japoneses não se queixavam de dormir em camas de solteiro separadas. Só depois de muito tempo é que eu fiz essa relação e entendi o que se passava. Eles realmente não fazem questão de camas de casal e/ou até preferem as camas de solteiro. Isso no caso de casais apenas. Quando vêm em famílias, o normal é o pai ficar num quarto com os filhos homens e a mãe ficar em outro quarto com as filhas mulheres ou filhos mais novos. Japonês nunca coloca as crianças sozinhas num quarto separado. Os ocidentais fazem exatamente o contrário: o casal fica num quarto e os filhos, independente do sexo e da idade, ficam em outro, sendo esse muitas vezes, de uma categoria inferior (o meu pai faria isso, com certeza). De uns anos para cá, com a mudança na administração do hotel, aumentou muito a quantidade de hóspedes estrangeiros, e, conseqüentemente, o número de reclamações por causa da falta de quartos de casal. Assim, eles tiveram que aumentar o número de quartos com camas de casal para atender os hóspedes ocidentais. Até mesmo “casais” gays fazem questão da cama de casal!

Uma vez eu fui junto com uma gerente do hotel atender uma queixa de um hóspede americano. O caso era que, quando ele fez a reserva, pediu dois quartos, um ao lado do outro, interligados. Tratava-se de uma família com um casal de filhos pequenos e, no dia, não havia muitos quartos disponíveis, por isso acabaram oferencendo para ele dois quartos, um de frente para o outro. Se fosse um hóspede japonês, não haveria maiores problemas, pois a mãe iria dormir num quarto com o filhos menor e o pai no outro com o filho maior. A gerente ofereceu como compensação os dois quartos pelo preço de um, mas isso não resolvia o problema, pois as crianças eram muito pequenas para dormirem sozinhas num quarto. O americano queria que puséssemos mais uma cama num dos quartos, mas não havia espaço para isso. No final das contas, ele pediu apenas uns endredons para que ele pudesse dormir no chão!

A gerente saiu muito frustrada e não entendendo o que aconteceu, pois na cabeça japonesa dela, tudo estaria resolvido se o casal dormisse separado, cada um com um filho, que é o usual por aqui. O hóspede americano ficou insultado com a instransigência da gerente. E acho que só eu entendi que essa era apenas uma questão de choque cultural. Infelizmente não havia clima para tentar explicar isso nem para o hóspede nem para a gerente. Acho até que mesmo que eu tentasse explicar, nenhum dos dois me entenderia, afinal eu teria que explicar para eles tudo o que eu escrevi neste artigo.

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Bolo é coisa de mulher! 

Fazia tempo que eu não me espantava com nada no Japão. Já estou tão acostumado que, pelo contrário, me espanto e até me indigno quando as coisas não são feitas ao modo japonês. Não que eu tenha me tornado japonês. Ainda sei ser brasileiro, mas no Japão eu quero que as coisas sejam feitas do modo japonês.

Eu passei um bom tempo da minha vida aqui me alimentando de sanduíches e outras coisas encontradas nas lojas de conveniência. Só comia comida de verdade quando almoçava no restaurante da universidade ou no trabalho. Eu quase sempre compro a mesma coisa. Teve época que eu sempre comprava karaage (umas bolinhas de frango frito), até que eu enjoei. Depois, sanduíche de frango defumado e assim por diante. Ultimamente, eu sempre compro torta de maçã e café com leite.

Mas, de vez em quando, eu dou uma olhada nas prateleiras da loja para escolher alguma coisa diferente. Numa dessas vezes, eu fui na parte dos refrigerados, onde tem pudim, iogurte, salada de frutas, danish (um coiso que parece um pão com creme por dentro), etc. Ali também sempre tem bolos e tortas, que vêm numa bandejinha com a tampa transparente. Os bolos japoneses, como quase tudo o que é de comer, são muito bonitos. Dá mais vontade de olhar do que comer, mesmo porque os doces japoneses nunca são muito doces. Porém, nesse dia me deu vontade de experimentar o bolo de chocolate.

Botei na minha cestinha e fui até o caixa, paguei e voltei pra casa. Quando cheguei em casa, notei que o cara do caixa tinha colocado dois garfinhos descartáveis para comer a torta. Normalmente, não precisa pedir: se você comprar um iogurte, eles colocam uma colherzinha; se comprar lamen, ganha um hashi; se comprar frango assado, ganha um garfinho igual ao do bolo (mas eu sempre peço para trocar por hashi). Naquele dia pensei que ele tinha se enganado e puxado dois garfinhos de uma vez só. Ou, quem sabe, pensou que eu ia comer o bolo em duas vezes (na verdade, todos os bolos das lojas de conveniência vêm com duas fatias na bandejinha). São duas fatias, mas não é uma quantidade tão grande assim. Sempre quando eu compro, como as duas logo de uma vez.

Para a minha surpresa, o bolo não estava tão sem gosto como eu imaginava. Não sei se é porque eu me acostumei com o gosto japonês para bolos ou se os bolos de loja de conveniência são mesmo mais gostosos. Até então, a minha experiência com bolos no japão se resumia a festas de aniversário de estrangeiros.

Na próxima vez que eu fui comprar bolo, eu prestei atenção quando o cara foi colocar o garfinho no saco. Eu já acho um desperdício usar o garfo e jogar fora, imagine ganhar dois e jogar um fora sem nem abrir o plástico! É só para aumentar a quantidade de lixo. Quando o cara foi colocar os dois garfinhos, enquanto anunciava o total da compra, eu disse: um garfinho basta. Nas lojas japonesas, os caixas falam o tempo todo; eles dizem em voz alta o valor de cada item enquanto marcam na registradora. Eu alguns casos, eles falam até o nome do produto e, no final, o total. Quando a agente paga, eles dizem “recebi tanto” e quando devolvem o troco: “devolvo tanto de troco”. A minha pergunta quebrou o ritmo da fala do cara. Ele parou, olhou para a minha cara e confirmou: ”Um garfo?“ Eu disse ”Sim“. Ele não discutiu e me deu só um garfo.

Eu voltei pra casa naquele dia pensando que o cara devia achar que eu ia dividir o bolo com alguém, quem sabe uma namorada. Como japonês não come muito doce, será que ele estava pensando que era muito bolo para uma pessoa comer sozinha? Ficou por isso mesmo...

Na vez seguinte, quem me atendeu foi uma moça que trabalha lá há muitos anos. Eu moro no mesmo lugar há mais de 4 anos e vou quase todos os dias naquela loja de conveniência. Por isso, já tinha certa intimidade com a moça. Eu sempre converso um pouco com ela quando vou lá. Ela, a exemplo do cara de outro dia, ia colocar dois garfinhos no saco. Eu disse: “um garfinho chega.”. Ela sorriu e disse: “Ah, vai comer o bolo sozinho? Não precisa ficar com vergonha. Tem um outro cara que compra aqui também e ele também come sozinho, afinal tem homens que gostam de bolo também!” Aí, eu entendi! No Japão, homem só pode comprar bolo se for para comer com a namorada. Essa também foi a última vez que eu comprei bolo em loja de conveniência. Agora tenho vergonha!

Interessante nisso tudo é que bolo é doce, portanto engorda. As brasileiras tendem a evitar doces com medo de engordar e, por isso, eu acho que no Brasil é mais comum homens admitirem que gostam de bolo do que as mulheres, embora não haja nenhuma regra com relação a isso. Eu sempre gostei de bolo desde criancinha. Mas, fica uma questão: “Como é que as japonesas que gostam e comem bolo são tão magrinhas?” Além disso, a sociedade aqui é muito mais severa com as gordas (e os gordos também). Até os homens aqui fazem regime para perder alguns poucos quilos.

A resposta para essa pergunta, eu infiro do que eu vejo no restaurante da universidade. Lá sempre tem umas moças que comem sorvete. Elas sentam na mesa e ficam lambendo aqueles sorvetes lentamente e não comem mais nada. Elas almoçam sorvete. Deve ter moças que almoçam bolo também. E quem sabe não comem mais nada durante o resto do dia.

Pensando agora, eu lembrei que já tinha percebido que eram sempre mulheres que compravam bolo na loja de conveniência. Elas olhavam para a bandejinha e colocavam na cestinha... eu sempre tive a impressão que elas estavam com muita fome quando compravam, pelo jeito que elas olhavam a bandejinha. Outro dia, eu perguntei para uma amiga minha por que as mulheres japonesas gostam tanto de bolo. Ela disse que é porque é bonito! Ouvindo isso, fez um pouco de sentido para mim o jeito que elas olhavam para o bolo. Que as mulheres japonesas gostam de bolo e de sorvete, eu já tinha consciência há alguns anos, mas foi só recentemente que eu aprendi o quanto é vergonhoso para um homem admitir que está comprando um bolo para comer sozinho. Foi um choque!

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O Natal no Japão 

Falar sobre o Natal no Japão e falar sobre nada é quase a mesma coisa. Como em todos os países não-anti-cristãos, aqui também tem decoração de Natal no comércio, além do movimento que também aumenta nos dias que antecedem o Natal.

Um dos lugares mais famosos do Japão pela decoração de Natal é Kobe. Kobe é uma cidade portuária, onde sempre teve muito intercâmbio com o ocidente. Há lojas ocidentais lá com produtos europeus desde o início do século passado. Inclusive a padaria onde eu sempre compro o meu pão francês é de uma rede originária de Kobe. Kobe também é uma cidade conhecida por ter sido parcialmente destruída por um terremoto em 1995.

Como parte das ações para recuperar a cidade, foi criada a Kobe Luminarie, que é muito visitada na época do Natal. Eu nunca fui, mas já vi na tevê e em fotos e é muito bonita mesmo (aqui vai um link para a página da Kobe Luminarie). Além da Kobe Luminarie, outros lugares da cidade de Kobe também são belamente decorados. Aqui vão mais uns links [1] [2] [3].

Aqui em Quioto, obviamente, também há decoração de Natal, embora não seja tão famosa como a de Kobe, não deixa a desejar. Mas, como se fala muito no Brasil, o Natal não está só nos pinheirinhos e presépios (por falar nisso, nas decorações de Natal do Japão não tem presépios). Bom.. tem gente que fala que o Natal é uma festa religiosa em comemoração ao nascimento de Cristo, mas eu acho que mais do que isso é uma tradição. Afinal, quem vai na MIssa do Galo no Natal?

No Brasil, desde o início de dezembro há uma expectativa pela chegada do Natal. Eu também, quando estava no Brasil tinha grande expectativa por esta data. Para mim o Natal é feito de três coisas principais: (1) presentes, (2) encontrar parentes que moram longe e (3) a ceia de Natal, que contém muita coisa que só se come nessa data: peru (ou chester) assado, frutas em calda, panetone, etc. Ah! Adoro o Natal! O Natal é principalmente uma coisa das crianças porque é uma das melhores oportunidades do ano de ganhar brinquedos bons (=caros). Na tevê, as lojas e fábricas de brinquedo apelam para que os pais comprem brinquedos para seus filhos. Eu, particularmente, faço questão de ganhar brinquedo no Natal. Não quero roupa, não quero dinheiro, não quero outra coisa que não seja de brincar, mas fico sempre feliz com os presentes que ganho. Isso é o Natal!

No Japão não tem esse Natal que eu gosto. 25 de dezembro não é feriado. As pessoas trabalham normalmente no dia 24. As famílias não se reúnem. Além da decoração, nada muda. O Natal para ser Natal, precisa estar não só nas decorações das lojas, mas também dentro das pessoas. Isso não tem aqui. Por isso eu digo que o Natal no Japão é a mesma coisa que nada.

No primeiro ano que passei aqui, me reuni com outros estrangeiros para passar o Natal. Acho que foi o pior Natal da minha vida. Apesar de estar todo mundo se fazendo de feliz, sentia-se aquela frustração no ar por estar cada um longe da sua família. Nos natais seguintes, eu trabalhei em todos. Faço questão de trabalhar no Natal. Quero que o Natal seja um dia comum, igual a qualquer outro, porque afinal de contas é isso que é o Natal japonês.

Eu disse que tem decoração nas ruas e nas lojas e que o movimento aumenta. Se aqui não tem o Natal que a gente conhece, afinal para que o comércio apela no Natal? Bom... o Natal no Japão é o Dia dos Namorados! heheheh O movimento no comércio é principalmente nas lojas que vedem presentes para as namoradas. Até em lojas de jóias caras, é difícil de caminhar nessa época do ano. Para as criancinhas japonesas, coitadinhas, no máximo uma bala do Papai Noel. Só as mulheres ganham presentes bons no Natal. Além dos presentes, os namorados levam as namoradas no mínimo para jantar fora, mas o ideal é ir viajar e passar a noite de Natal num hotel. Se não der para viajar, então pode ser um hotel na cidade mesmo. O importante é que seja um lugar chique e ocidental. Para mim, que não tenho namorada, essa parte do Natal também é nada.

No hotel que eu trabalho, este ano pela primeira vez, com um gerente geral americano, teve uma decoração de Natal decente. Até este ano, o que tinha era uma árvore de natal estilizada feita dos restos de uns lustres de um salão de conferências antigo. Eu gostava mais daquela decoração discreta e fiquei indignado quando vi os caras montando a decoração pomposa deste ano, em pleno 15 de novembro!!! Na madrugada de 25 para 26 de dezembro, foi com satisfação que eu ajudei a desmontar aqueles pinheirinhos, papais noéis, luzinhas... Puxa, como ficou melhor sem aquele peso todo daquela decoração sem sentido!

No Natal do Japão, como as famílias não se reúnem, também não tem ceia de Natal, mas tem a comida típica desse dia: frango frito. Na maioria dos casos, não é um frango inteiro como nós fazemos. É frango frito mesmo, do Kentucky Fried Chicken. Desde o meio de novembro, o KFC japonês aceita encomendas para o dia do Natal. O frango do Natal japonês está mais para o nosso peixe da Sexta-feira Santa do que para o peru de Natal. O ideal é que seja frango frito, mas vale qualquer coisa. Por exemplo, se for no McDonald's nesse dia, em vez de pedir o Big Mac de sempre, pede um Mac Chicken.

Eu, obviamente não podia deixar de comer o meu frango assado no Natal. Comprei uma coxa-e-sobre-coxa no mercado e fritei em casa. Ficou bom! Comi e fui trabalhar. Foi mais um feliz não-Natal que eu passei no Japão.

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O lado japonês da guerra 

Numa comunidade do Orkut, foi perguntado sobre a relação entre as bombas de Hiroshima e Nagasaki e a Guerra Fria. Eu me interessei e fiz uma pesquisa na internet para responder a pergunta. A minha resposta está lá (na comunidade). Aqui escrevo a minha impressão sobre o lado japonês da guerra, baseado no que eu li e no que eu vejo no dia-a-dia.

Em alguns sites japoneses que eu li, eles acusam Truman de criminoso de guerra pelos ataques indiscriminados a Tóquio com bombas incendiárias (aproveitando o fato de que as casas dos japoneses eram feitas de madeira e de papel, ou seja, o alvo eram os civis) e pelas bombas atômicas, que poderiam ser evitadas se Truman não tivesse alterado os termos de rendição.

Eu li um relato de uma japonesa que até hoje sofre com os efeitos da radiação, dizendo que a Cruz Vermelha e outras ajudas humanitárias foram proibidas de entrar em Hiroshima e Nagasaki. Diz ela que os americanos, ao contrário do que dizem, não tratavam os feridos. Em vez disso, simplesmente tiravam amostras de sangue e faziam anotações. Diz que eles simplesmente observavam as pessoas morrendo e registravam as observações, mas não faziam nada para ajudar. Aqui fica um indício que eles tinham também o objetivo de “experimentar a nova arma”. Aliás, essa japonesa diz que aquilo não era ajuda humanitária, mas um grande experimento com cobaias humanas.

Num outro lugar, eu li que, depois da guerra, o mesmo centro de pesquisa sobre os efeitos da radiação, que trabalhava durante a guerra, alguns anos depois fez um experimento com flúor. Eles colocaram pequenas quantidades de flúor na água que abastecia uma cidade nos Estados Unidos para saber se não fazia mal e se não se acumulava no corpo. Lá também eles tiravam amostras de sangue e de placenta da população. Foi graças a esse experimento que demonstrou que as pequenas quantidades de flúor diminuíam a incidência de cárie, que hoje na nossa água também é colocado flúor.

Os americanos, por outro lado, acham que fizeram um bem ao Japão, por terem abreviado a guerra, “salvando” um monte de vidas que seriam perdidas nas batalhas, além de promoverem a democratização e o desenvolvimento econômico do Japão. Quem sentiu, literalmente na pele, os efeitos da bomba atômica, não consegue aceitar o “lado bom”, afinal a bomba atômica poderia ter sido evitada.

O que mais me espanta, é que todos os japoneses que eu conheço (e eu conheço alguns!), não odeiam os Estados Unidos por causa das bombas atômicas. Eles amam a paz (e se orgulham disso) e odeiam a bomba (mas não o país e o homem que mandou jogar elas aqui). Hoje, parece que eles culpam o Imperador por tudo e se envergonham de ter perdido a guerra. Nem parece o mesmo país dos pilotos kamikaze!

Dizem que os japoneses da época da guerra eram fanáticos e consideravam o Imperador um semi-deus. O que eu sinto hoje, principalmente dos japoneses mais jovens, é um desprezo pelo Imperador e por todos os nobres do Japão. Parece que, quando se fala no Imperador, eles fazem questão de dizer: “o Imperador é uma pessoa comum e não manda em nada. Ele é só um símbolo.”

Se perguntar a eles sobre patriotismo, eles respondem: “os japoneses não são patriotas. Eu não sinto nada pelo Japão.” Esse ponto eu acho interessante, porque eles dizem isso só com a boca, mas não deixam de dizer. Religião: no festival de o-bon são todos budistas; no ano novo são todos xintoístas; durante o resto do ano são todos ateus. Parece que sofreram uma lavagem cerebral!

Eu fui procurar sobre isso na internet e descobri um tal de War Guilt Information Program, que foi instituído durante a ocupação do Japão pelo exército americano. Os militares deixaram o governo, mas permaneceram a Constituição, as leis e os livros-textos criados ou alterados de acordo com as suas ordens.

Encontrei uma transcrição de um diálogo entre dois escritores japoneses. Um deles diz que era criança nessa época. Ele conta que foi levado pelo professor ao cinema para assistir um filme com imagens da guerra. Nesse filme aparece um avião kamikaze sendo abatido. Quando apareceu essa imagem, diz que o professor começou a bater palmas e mandou os alunos baterem palmas também.

O outro diz que foi ensinado que “o Japão não ganhou nada”, “que ele tinha 'consciência' de que os brancos eram superiores e os japoneses inferiores, que não tinham capacidade.” Além disso, não existia quem criticasse o governo militar ou quem dissesse que havia algum militar japonês bom. “Ensinaram-me que o Tojo é do mal”, diz ele.

Ambos falam sobre um programa de rádio chamado “a caixa da verdade”, que substituiu um outro programa da rádio NHK que, no mesmo horário dava notícias sobre a guerra antes da rendição. Nesse programa, perguntas eram feitas e respondidas. Por exemplo “Qual é a verdade sobre o ataque japonês a Nanquim? – A verdade é que 20 mil mulheres foram assassinadas.” Contam eles, que como o locutor era japonês e falava de “nós”, eles não percebiam que o programa era controlado pelos americanos. Parecia-lhes que era a própria verdade dita por outro japonês.

Sobre a censura ao correio, um deles conta a história de um homem comum que mandou uma carta a um conhecido dizendo que tinha sido baleado pelos militares (americanos) e estava ferido. Esse homem foi processado por calúnia e difamação das forças de ocupação. Segundo as investigações, esse homem inventou e usou essa história para recusar a visita de um conhecido (japonês não sabe dizer não...) Mas, como os registros dos julgamentos do período de ocupação ainda não foram abertos, não há como saber qual é a verdade.

Não é assunto deste artigo, mas eu tenho que mencionar também que nesse diálogo, os dois falam o Japão não foi a única vítima de lavagem cerebral, nem os Estados Unidos o único a utilizar essa técnica. Afirmam que na Inglaterra também foi usada pela BBC e que o movimento contra a Guerra do Vietnã foi produto de lavagem cerebral orquestrada pela KGB. Comparando as técnicas utilizadas pelos americanos no Japão com as utilizadas pelos países comunistas, afirmam que é totalmente diferente. A técnica americana é “livre”, ao passo que a comunista envolve tortura e ameaças.

O Partido Comunista da China fazia lavagem cerebral nos prisioneiros japoneses, dizem eles. Os procedimentos eram repetidos até que os prisioneiros passassem a defender as idéias socialistas. Quando obtinham sucesso, mandavam o prisioneiro de volta para o Japão para trabalhar em favor da China nas frentes de batalha japonesas.


Já nos meus primeiros meses aqui no Japão, eu me intrigava com a nulidade do sentimento patriótico do japonês. Eu tinha uma admiração pelo Japão e uma compaixão pelo povo japonês que lutou tão bravamente, embora tenha terminado derrotado. Eu achava que os japoneses deveriam ter um forte ressentimento com relação aos Estados Unidos, por terem sido o único país do mundo onde a bomba atômica foi usada.

Agora, eu não sei até que ponto que essa admiração toda não é fruto de algum tipo de lavagem cerebral anti-americana que eu sofri. Não culpo as minhas professoras de história. Elas eram ótimas e se limitavam a ensinar a matéria e a pensar sobre a história. Não tive professoras de história que fizessem pregação ideológica em sala de aula. Mas o anti-americanismo no Brasil não está só dentro da sala de aula.

Outra fonte da minha admiração é dos meus conhecidos descendentes de japonês no Brasil. Eu tinha um colega descendente de japonês que não tinha vergonha de dizer que era racista. Éramos muito amigos, até porque eu também sou racista e não tenho vergonha de dizer isso. Mas, vejam bem, não confundam racismo com discriminação racial. Se eu discriminasse as pessoas pela raça, jamais teria feito amizade com um descendente de japonês! Discriminação racial é ignorância. Racismo é gostar e se orgulhar da sua própria raça. Só isso. Infelizmente, quem já é um produto de algum cruzamento entre raças não consegue entender isso. Eles não podem ser racistas...

Mas, chegando aqui no Japão, eu fiquei chocado com o que eles me diziam: “japonês não é patriota, nós não sentimos nada pelo Japão”; “japonês admira os ocidentais”; “o Imperador é uma pessoa comum, ele não manda em nada, é apenas um símbolo” “o Japão está atrasado em relação aos Estados Unidos”, etc. Isso me deixou até entristecido. Será que aquele Japão que eu admirava morreu?

Por outro lado, é impressionante como as respostas para perguntas sobre os assuntos acima vêm sempre nas mesmas palavras, independente de para quem se pergunte. É como se fosse um mantra decorado. Mais tarde eu percebi que era isso mesmo: apenas palavras. Mas são palavras, que repetidas muitas vezes, controlam o pensamento deles, de maneira muito semelhante àquela que aparece no livro Admirável Mundo Novo de Huxley. Embora eles digam coisas e pensem balisados por essas frases repetidas, eu percebo que eles não sentem isso. Ou seja, o pensamento deles é artificial!

Essa é uma teoria minha, que eu baseio no seguinte: se você perguntar para um japonês se ele é patriota, a resposta vai ser, invariavelmente, “Japonês não é patriota. Nós não sentimos nada pelo Japão”. Mas, se mudar as perguntas, as resposta não condizem com essa frase. Por exemplo: “Você gostaria de morar em outro país?”. Aí se ouve: “Não. Eu gosto daqui. Não tenho vontade de ir ao exterior nem a turismo. Prefiro fazer turismo dentro do Japão mesmo”. Claro que nem todos pensam igual...

“Japonês admira os ocidentais?” Eu tenho um amigo que se queixava muito de algumas coisas, que sabia que eram inerentes à cultura japonesa, mas ele não tinha essa consciência. Eu dizia pra ele: “Esse teu modo de pensar é ocidental. Porque você não vai morar na França (ele sabia um pouco de francês). Você vai ser mais feliz lá.” Depois de algum tempo, ele simplesmente parou de se queixar. Ele não quer ir morar na França, nem na Inglaterra, nem em qualquer outro lugar do mundo. Ele ama o Japão, mas não tem (ou não tinha) consciência disso. Achei muito engraçado outro dia que um americano perguntou para ele, mostrando uma moeda de cinco ienes, o que é isso? Obviamente o americano se referia ao furo que tem no meio das moedas. Ele entendeu, mas safadamente, se fez de desentendido e respondeu: ”essa é uma moeda de cinco ienes“. Ora, para os japoneses é natural que as moedas de cinco ienes sejam furadas!

Pergunte aos japoneses(as) se eles(as) acham algum(a) ocidental bonito(a). Eles usam palavras diferentes para descrever a beleza oriental e a beleza ocidental! Pergunte se eles(as) casariam com um(a) americano(a). “Nunca pensei nisso, mas eu prefiro os(as) japoneses(as)”. Ou seja, eles são racistas! São racistas e eu os admiro por causa disso. São racistas, mas eu nunca fui “vítima” (que palavra hein!) de discriminação racial no Japão, pelo contrário, sempre fui respeitado, narigudo e branco, do jeito que eu sou.

Quanto à guerra, parece que a coisa é mais profunda: os japoneses genuinamente amam a paz e odeiam a guerra. Mas baseiam isso em frases prontas: “A guerra foi um erro. O Imperador fez mal ao Japão. Os soldados japoneses cometeram muitas crueldades nos outros países da Ásia e nós sofremos as conseqüências até hoje.” Até parece que foi o Imperador que subiu num avião, incendiou Tóquio e jogou duas bombas atômicas no país!

Eles estudam a história e sabem das causas da guerra, mas parece que esse sentimento de desprezo pelo Imperador é maior do que os fatos históricos. A Ásia estava dominada e disputada entre países europeus: França, Inglaterra, Alemanha, Espanha e até Portugal tirou a sua lasquinha. O Japão estava realmente em perigo, correndo até o risco de ser invadido por uma potência européia se não partisse para o ataque. (Eu tenho que estudar melhor essa parte, mas pelo menos é essa a impressão que eu tenho). A expansão do Japão pela Ásia é bem diferente do imperialismo europeu e não tem nada a ver com a expansão da Alemanha e da Rússia! Imaginem se fosse o contrário. Imaginem se a Coréia, o Japão, Tailândia e a China estivessem dominando a Europa Continental e, diante disso, a Inglaterra reagisse. Aí parece que faz sentido, não é mesmo?

Que eles “pagam até hoje pela guerra” é verdade. A única questão fica na justiça disso. A nova geração, que não é culpada pelos atos dos seus antepassados, agora tem que lidar com o ódio dos chineses e coreanos. Enquanto aqui, os americanos trataram de apagar todo o ressentimento do coração dos japoneses em relação a eles, na China, principalmente, eles são ensinados a odiar o Japão. Um amigo meu coreano me contou que lá na Coréia (do Sul) todo mundo dizia que os japoneses são maus e que ele também pensava assim, até vir para o Japão e ver que não era asssim. Imagine o que pensam os coreanos do norte! Outro dia eu vi na tevê um coreano (do sul) sendo perguntado sobre a possibilidade dos Estados Unidos invadirem a Coréia do Norte. O cara respondeu “Eu acho que se os Estados Unidos invadirem a Coréia do Norte, nós devemos atacar o Japão”. É até de dar risada! Não tem lógica. Se ele dissesse que lutaria em favor da Coréia do Norte, eu até entenderia...

No meio de tudo isso, o Japão não é culpado só pelo que fez nos outros países asiáticos, mas como eu disse antes, culpam o Japão pela própria bomba atômica da qual foi vítima. Os sobreviventes da bomba atômica ganham até hoje uma pensão especial do governo (japonês), como uma espécie de indenização. Mas quem bombardeou civis no Japão foram os Estados Unidos! Não seria justo que eles pagassem essa indenização???


Os japoneses sofreram uma lavagem cerebral e esse efeito se prolonga até os dias de hoje. Isso é um fato. Dizem também que os japoneses de hoje estão muito americanizados, mas eu não concordo com isso. Pelo menos essa “americanização” não deve ser resultado da lavagem cerebral planejada que eu falei. Como disseram os escritores que eu citei, a abordagem dos americanos era ”livre“. As pessoas não foram obrigadas a pensar de determinada forma, mas condicionadas. Por exemplo, embora o fanatismo religioso que movia os soldados no campo de batalha tenha sido desencorajado, a religião no Japão não foi proibida. Dessa forma, se há uma americanização das novas gerações, isso não significa que os japoneses perderam os seus valores tradicionais (não digo a mesma coisa sobre a China!). Dá para perceber claramente a diferença entre gerações no Japão. A nova geração nasceu num país desenvolvido e tecnológico, bem diferente da geração seus avós, que até fome passaram. É natural que pensem e ajam de maneira diferente, mas isso não implica necessariamente que estejam ocidentalizados. E não estão. São japoneses à sua própria maneira. (Para explicar essa última frase, eu tenho que pensar melhor nuns exemplos. Fica para outro dia).

Olhando por outro lado, o amor à paz, que em grande parte é fruto da lavagem cerebral, foi muito bom. Quisera que os Estados Unidos promovessem uma lavagem cerebral em todos os países do mundo! Se os outros povos tivesse a metade do amor à paz, ódio e temor à guerra e respeito aos outros povos que os japoneses de hoje tem, nunca mais haveria guerras no mundo. Não acho que o passado deve ser esquecido. Não. Deve ser lembrado sim, mas ficar remoendo ressentimentos e ódio não leva a lugar nenhum. O meu amigo coreano dizia: “Esquecer do que o Japão fez para a Coréia, isso eu não esqueço. Mas, vamos deixar isso de lado sejamos amigos daqui pra frente!” Certas desavenças só se resolvem com a generosidade do perdão.

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O Peido 

Não precisa passar muito tempo no Japão para perceber isso. Acredito que até mesmo quem vem aqui a turismo e anda pelas lojas e pontos turísticos durante uns 3 dias acaba desconfiando. Eu, depois de quatro anos morando aqui, agora tenho certeza: os japoneses não perdoam, peidam mesmo!

Nos meus primeiros meses aqui, neste país tecnológico, eu passeavam muito por lojas de eletrônicos. Tudo o que é inventado no Japão é colocado primeiro no mercado interno, para depois, quem sabe aparecer pela Europa e Estados Unidos e, finalmente no Brasil. Muitos produtos nunca chegam a ser vendidos fora do Japão. Isso faz das lojas japonesas um um lugar único para conhecer as últimas novidades tecnológicas.

As lojas, como tudo no Japão, deixam pouco espaço para circular. O corredor entre as prateleiras não permite que duas pessoas se cruzem sem torcer um pouco os ombros e os braços para não se tocarem. Se tiver uma pessoa parada olhando algum produto no meio de um corredor, às vezes é mais cômodo dar a volta pelo outro corredor do que pedir licença para passar.

Nesse ambiente, quando você está concentrado mexendo numa novidade da tecnologia japonesa (sim, aqui dá para mexer em tudo!) e menos espera, o ar começa a ficar cada vez mais pesado, difícil de respirar. Eu, quando ainda não estava acostumado, não achava que pudesse ser... afinal no Japão há muitos cheiros desagradáveis que saem dos exaustores dos restaurantes e por vezes penetram até dentro das lojas. Assim, acabava cheirando, até que aos poucos fui me dando conta da verdade irrefutável: é peido!

Já me aconteceu de entrar numa loja atrás de um produto específico e exatamente a prateleira do produto já estar peidada. Virei as costas e saí. No começo eu até conseguia, discretamente trancando o nariz com os dedos, agüentar enquanto olhava os produtos, mas depois da terceira ou quarta vez, decidi que não valia a pena o sacrifício.

Eu diria que o Brasil não é um país muito civilizado, principalmente quando comparado com o Japão, que na minha opinião, é talvez o país mais civilizado do mundo. Mas no quesito “peido”, nós estamos a anos-luz na frente deles. O brasileiro é extremamente contido e respeitoso neste aspecto. Aprendemos desde pequenininhos que não se peida na frente de estranhos, nem em lugares públicos pouco arejados. Peidamos em família, entre amigos íntimos, em situações bem específicas. Sabemos onde, quando e como podemos peidar.

Eu lembro de ter sido ensinado isso na escola. Toda criança peida. Peidar é natural. As mães repreendem, mas sempre em tom de brincadeira. Nunca ouvi falar de alguém que tivesse apanhado por ter peidado. Mesmo assim, eu tinha consciência que não era uma coisa boa, mas ainda não sabia o que fazer quando tinha vontade. Até que uma professora minha explicou que a gente deveria se retirar, para um lugar que não tivesse ninguém e soltar lá. Caso estivesse na casa de alguém e não pudesse sair para fora, então que pedisse licença para ir no banheiro (ninguém sabe o que você vai fazer lá dentro...).Eu tive sorte de ter uma professora que me ensinasse o que fazer, mas mesmo quem nunca teve esse privilégio, sabe exatamente o que fazer. Quem já não foi atrás de um amigo numa festa, que de repente se retirou para um canto, só para descobrir que ele tinha ido lá para liberar um gás?

Japonês não faz isso. Ontem mesmo, no meu trabalho, eu vi um colega mais antigo ensinando um colega mais novo. Quando eu cheguei perto, a área estava peidada. Ou seja, um deles peidou, sem ter a mínima consideração com o outro que não podia sair de perto. Na universidade, uma vez, eu quase me retirei no meio de uma apresentação do seminário do meu orientador.

Naquele dia eu estava cansado, mas não podia deixar de comparecer ao seminário. A sala estava cheia, com umas 25 pessoas. De repente começou a pesar o ar, a respiração começou a ficar difícil. Pensei: "vou trancar o nariz discretamente e esperar passar". Foi diminuindo aos poucos, mas de repente, voltou a intensificar-se. Contei, em 25 minutos, três peidos com o mesmo cheiro.

Se fosse no Brasil, no primeiro peido, o seminário já seria interrompido, algumas se afastariam da área infestada e a janela seria aberta. No segundo peido, o professor pararia a apresentação para solicitar que o autor dos peidos resolvesse o seu problema em outro lugar e respeitasse quem estava ali para ouvi-lo e o terceiro, jamais seria libertado dentro da sala. No Japão não. Aqui todo mundo ignora.

Ignoram mesmo. Outro dia, na fila do check-in do hotel, um senhor soltou um longo e sonoro. Eu olhei indignado (esta é a reação natural de um brasileiro). Dos japoneses ao redor, nenhum olhar de reprovação, nenhum dedo no nariz, nenhum movimento centrífugo em relação à rodela criminosa. Nada. Ignorância total, como se absolutamente nada se tivesse ouvido.

Isso derrubou uma teoria que eu tinha de que os japoneses peidavam livremente por terem a certeza da impunidade. Pode-se soltar um silencioso numa loja de eletrônicos e ficar impune. Mas não há escapatória quando sei peida a dois ou quando reverbera. Ainda estou atrás de uma resposta para essa questão, pois vai totalmente contra os princípios da cultura japonesa, que condena qualquer ato deliberado ou não que possa de alguma forma causar incômodo a outrem. Peidar é meiwaku!

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Gente de pós 

Muitos estudantes brasileiros que vêm fazer mestrado no Japão ficam pensando que é difícil de fazer amizade com japoneses. “Porque eles são assim, porque eles são assado...” Esses mesmos não se dão por conta de como é difícil fazer amigos entre os brasileiros que estão no Japão. A realidade é que é difícil de fazer amigos entre estudantes de pós-graduação.

No meu mestrado em Piracicaba, eu posso contar nos dedos de uma mão só os amigos que eu consegui fazer lá. Mesmo sendo eu próprio um aluno de pós-graduação, nunca me acertei com essa gente de pós.

Volta e meia, tinha as festas de pós, que ocorriam tradicionalmente na cozinha de alguma república. É automático: gente de pós, ao entra numa festa, vai direto para a cozinha, escolhe um canto e fica lá, não circula, até a hora de ir embora. Com tanta coisa interessante para conversar, desde política, comida, música, gostos, etc., as conversas da gente de pós esembocam necessariamente em “a minha pesquisa”. Isso tem um lado bom, porque há um grande intercâmbio entre alunos de várias áreas, mas torna as “festas” completamente insuportáveis.

No Japão, é pior ainda. Não há espaço para intimidades nas relações entre alunos de pós. É difícil de conversar sobre qualquer coisa com alunos de pós japoneses. Eles estão sempre ocupados e concentrados na sua própria pesquisa. Até para pedir ou dar opinião sobre alguma coisa relativa à sua própria pesquisa, ou à pesquisa da pessoa, muitas vezes, é preciso combinar alguma hora (da semana que vem), para fazê-lo. Como regra geral, todas as relações e conversas são formais.

Mesmo nas festas de pós japonesas, a formalidade não é esquecida. Começa pelo fato de que as festas não ocorrem nas repúblicas, porque elas simplesmente não existem por aqui. No Japão, normalmente as festas são feitas em bares de estilo japonês, as izakayas. Mas as festas de pós japonesas, não. Essas são feitas na universidade mesmo, no mesmo lugar onde todo mundo estuda o dia inteiro, entre escrivaninhas, computadores, livros e fotocópias. Nessas horas sempre tem um ou outro que tem declaram que não podem participar da festa, porque têm alguma coisa urgente para terminar. Enquanto uns bebem e conversam, outros estudam, na mesma sala. Essas salas às vezes são tão apertadas que, dependendo do lugar onde a gente senta, para ir no banheiro, tem que pedir licença para uns três ou quatro.

Os membros da festa são sempre os mesmos, os membros do laboratório. São raros os casos em que se faz festas envolvendo mais do que um laboratório. Em muitos casos, os professores também participam. Nessas horas, ele bebem e dão risada, mas a formalidade ainda impera. Por exemplo, todo mundo tem que rir das piadas dos professores, por mais sem graça que sejam.

Os japoneses de pós, ao contrário dos brasileiros de pós, durante as festas, conversam sobre tudo, menos sobre as suas pesquisa. As pesquisas são discutidas somente no seminário. O assunto que eles conversam? Para ser sincero, eu nunca consegui acompanhar muito bem o que eles falam. Um assunto que está sempre presente é a origem do saquê que está sendo consumido na hora. Como todo japonês, os japoneses de pós também gostam muito de falar da vida alheia nessa horas. Mas os meus colegas sempre falam de alguém que eu não conheço. Por isso eu não consigo acompanhar a conversa deles. Eu geralmente não converso muito nessas festas e me concentro mais em beber. Adoro saquê!

Para qualquer festa, obrigatoriamente, todos os membros do laboratório são convidados, por mais inconvenientes e detestáveis que sejam. É impossível convidar apenas selectas personas para jantar ou ir beber numa izakaya. Necessariamente, todos têm que ser convidados e tudo tem que ser planejado com pelo menos duas semanas de antecedência, para que todos tenham condições de se programar para ir.

(Senti que estava exagerando na minha descrição até aqui. Reli os parágrafos acima e concordei comigo mesmo. Não há exagero. É assim mesmo.)

Obviamente, há extremos e há exceções. Por exemplo, no meu laboratório, tinha uma moça que ficava lá sentada na escrivaninha, estudando, das 9h da manhã à 11h da noite, todos os dias, mesmo nos finais de semana. Muitos dos meus colegas não assistem ou não têm televisão em casa. Tem até gente que nem tem celular. Levam uma vida totalmente bitolada, onde a única coisa que fazem é estudar. Não sabem nada e não se interessam pelo que acontece à sua volta. Não é de se espantar que essa gente não tenha assunto para conversar e não consiga (ou se interesse por) fazer amigos.

Por outro lado, há aqueles que têm os seus amigos em outros círculos: ex-colegas de aula, colegas de clube e outros que conheceram em outros lugares, que não a universidade. Eu demorei um pouco para perceber que esse tipo também existia, porque dentro do laboratório, eles se comportam como todo o resto: são formais. Dentre estes, eu consegui fazer 1 (um) amigo japonês na pós-graduação. Infelizmente, de tanto eu falar das minhas frustrações, acabei por convencê-lo a desistir da carreira científica e ele acabou se tornando diretor de programas da NHK. Assim ficou provado desde o princípio, ele não era gente de pós.

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Penteados japoneses 

Eu não tenho nenhum interesse por peteados japoneses, nem pretendia escrever sobre isso aqui, mas percebi que muitos acessos a esta página se originaram de uma busca no Yahoo! pela palavra chave “pentados japoneses” e por isso resolvi escrever um pouco sobre o assunto e deixar alguns links para quem estiver interessado.

Quando eu cheguei no Japão pela primeira vez, no Aeroporto de Narita, uma coisa que me chamou atenção foi o quanto os japoneses são diferentes entre si. No Brasil tem essa brincadeira de dizer que japonês é tudo igual. Ao desembarcar no Japão, a primeira impressão que eu tive foi de que os japoneses do Brasil são mais iguais do que os japoneses do Japão. Eu coloquei “brincadeira” entre aspas porque é uma brincadeira que não tem graça. Só depois que eu senti na pele o que é ser considerado “igual” é que eu tive consciência disso. Os japoneses não ficam falando que ocidental é tudo igual, mas acontece bastante de pessoas que eu nunca vi na vida virem falar comigo e insistirem que me conhecem não sei da onde, até que finalmente se dão por conta que se tratava de outra pessoa. Também acontece de verem dois ocidentais juntos e pesarem que são irmãos. Eu não me ofendo com isso e acho que os brasileiros descendentes de orientais também não se ofendem, mas, como eu disse, não tem graça. Cansa!

Por outro lado, eu ainda digo: os japoneses do Brasil são mais iguais do que os japoneses do Japão e essa diferença está principalmente no cabelo. Tanto homens como mulheres, os japoneses do Brasil usam cortes de cabelos simples e não costumam enrolar (fazer permanente) e muito menos tingir os cabelos. São muito poucos os japoneses que têm os cabelos levemente ondulados ou naturalmente castanhos (e não pretos). A maioria têm cabelos liso, pretos e grossos

Muitas jovens pintam o cabelo de castanho escuro, catanho claro e até loiro. A tendência é valorizarem o cabelo liso, com franjas recortadas. Entre as meninas secundaristas, há muitas que usam maria-chiquinha e trancinhas que só crianças pequenas fariam no Brasil. As senhoras, quando pintam o cabelo, escolhem cores mais discretas, como castanho-escuro, preto-azulado ou preto-avermelhado e muitas fazem permanente (enrolam) os cabelos.

O que choca à primeira vista é que os homens também pintam os cabelos. Acho que tem mais homem do que mulher e cabelo pintado por aqui. No Brasil, homen de cabelo pintado é gay. Não tem outra explicação. No Japão, a cor do cabelo não quer dizer nada.

Ao ouvir que os japoneses e japonesas pintam o cabelo de loiro, muitos devem estar pensando: é a ocidentalização dos cabelos? Mais uma vez, eu digo: o padrão de beleza no Japão não é ocidental. Um japonês que pinta o cabelo de loiro, nem lhe passa pela cabeça ficar parecido com um alemão ou dinamarquês. Já perguntei tanto para homens como para mulhereres o porquê de tingirem o cabelo. A resposta é sempre a mesma: “para ficar mais claro. O cabelo preto é muito escuro”. Só que nesse caso, claro tem a conotação de alegre e escuro, de sombrio.

Os cortes de cabelo masculinos da moda procuram evitar aquele aspecto de índio, que é o natural do japonẽs. Eles geralmente são meio compridos, também com franjas recortadas e tingidos, às vezes com intensidades diferentes nas pontas e nas raízes. Os salary man japoneses, quando pintam os cabelos, usam cores discretas, como castanho-escuro ou no máximo um castano-médio, mas o corte de cabelo deles é típico: relativamente curtos e irregularmente desbastados. Esses usam gel ou cera para manter os cabelos em pé.

Links

Apresento aqui alguns sites (em japonês), que mostram algumas fotos de penteados japoneses.

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Cirurgia de ocidentalização dos olhos 

Esse é um dos muito mitos sobre os japoneses que circulam na imprensa mundial. Mais de uma vez eu vi reportagens do Jornal Nacional ou no Fantástico. Com freqüência esse termo também aparece em jornais e revistas. A idéia que é transmitida é que no Japão predomina o padrão de beleza ocidental e que as japonesas se submetem a tal cirurgia para ficar mais parecidas com as ocidentais. Mentira!

Não estou dizendo que tal cirurgia não existe. Tanto ela existe, que pode ser realizada até no Brasil. Dei uma pesquisadinha no Google e achei dois sites que falam sobre isso: aqui e aqui. A questão está está em se chamar essa cirurgia de "ocidentalização dos olhos". É isso que não está certo.

Primeiro vou explicar o objetivo da tal cirurgia. Os olhos dos orientais podem ser classificados em dois tipos, dependendo da existência ou não de uma dobra na parte superior das pálpebras. No japão, os olhos que não apresentam tal dobra são chamados de "hitoe" (simples) e os olhos com a dobra são chamados de "futae" (duplos). Os dois tipos existem naturalmente tanto nos japoneses como em outras etnia asiáticas, ao passo que os olhos ocidentais são todos do tipo futae (duplos). Agora, o que faz um olho parecer asiático ou ocidental não é apenas a presença ou ausência da dita dobra, mas o formato como um todo. Na minha opinião, o que mais dá o aspecto de "puxado" do olho oriental são os cantos externos do olhos e formato como um todo. No geral, os olhos hitoe têm uma tendência ser menores (mais fechados) e mais angulosos do que os olhos futae, mas isso não é regra. Existem japonesas de olhos enormes, bem arredondados, nada oblíquos, porém inconfundivelmente hitoe (simples, sem a dobra). Por outro lado, existem pessoas com olhos pequenos, de forma amendoada, oblíquos, porém futae. Mesmo com a dita dobra, esses olhos são inconfundivelmente orientais. Eu tenho um conhecido japonês cujos olhos têm quase o triplo do tamanho dos meus, tem a dobra na pálpebra bem marcada, mas os cantos dos olhos dele são tipicamente orientais, puxados, rasgados.

No parágrafo acima, eu quis dizer (posso provar mais tarde com fotos) que a existência ou não da dobra nas pálpebras não determina o aspecto oriental ou ocidental dos olhos. E, mesmo japoneses que têm olhos (naturalmente) ocidentais, nem por isso parecem ocidentais. O aspecto ocidental vem de um conjunto de olhos, nariz e boca, além do formato do rosto mais oval e anguloso. Apenas "trocar" os olhos, não faz uma japonesa parecer ociden

Mas como explicar a existência de tal cirurgia, já que ela não confere o aspecto ocidental, que parecer ser o seu objetivo principal? É verdade que as japonesas (isso mesmo, somente as mulheres japonesas) consideram olhos futae mais bonitos. Elas consideram essa dobrinha na pálpebra como um sinal de beleza. Já ouvi e já vi discussões na internet sobre isso, onde algumas moças, orgulhosas, afirmam: quando eu acordo de manhã, os meus olhos são futae! Aliás, esse tipo de olho é bem comum: dependendo da hora do dia, a dobrinha aparece ou some. Tem também gente que tem um olho com dobrinha e o outro sem. Nos sites de namoro também, elas fazem questão de dizer: os meus olhos são futae, como se fosse um grande sinal de beleza.

Essa preocupação, das mulheres, com a dobrinha nas pálpebras chega ao extremo de algumas colocarem cola nas pálpebras para formar a tal dobrinha. Sim, existe cola própria para isso à venda no Japão!

O padrão de beleza

O que determina o padrão de beleza feminina em determinada cultura? Alguns podem dizer que é a mídia, que no caso, traria a influência ocidental para o Japão. Mas, em última análise, o padrão de beleza é determinado pelos homens da mesma cultura. Aí é que se percebe que o padrão de beleza no Japão não é ocidental. Eu nunca ouvi um homem japonês dizendo o quanto ele acha a Britney Spears sexy. Na verdade, os japoneses nem conhecem direito as famosas ocidentais. Elas não são populares por aqui. Se fosse assim, ver-se-iam muitos casais de homem japonês + mulher ocidental tanto aqui como no exterior. O que ocorre é o contrário: é muito mais comum ver mulheres japonesas com homens ocidentais. Mas aí, a questão vai muito além da beleza, pois a maioria das mulheres não buscam a beleza em primeiro lugar nos seus parceiros.

O padrão de beleza é uma coisa interessante de se conhecer em outras culturas. Por isso, eu já perguntei para vários amigos meus o que eles acham da mulher ocidental. Além disso, na conversa entre homens o assunto "mulher" é freqüente. Portanto, eu me considero habilitado para falar das preferências dos homens japoneses com relação às mulheres.

Pelo menos entre os meus conhecidos, a mulher ocidental é considerada bonita. O termo que eles usam é “kirei”, que significa bonita e mais nada. É como a beleza de uma flor. Uma flor é apenas bonita; não é sexy, nem provocante. Ou seja, a boniteza da mulher ocidental não significa que ela seja a preferida. Ao japonês, o que interessa mais é uma outra característica: a mulher tem que ser “kawaii”. E isso, as japonesas sabem ser! Kawaii significa bonitinha, delicada, frágil. Por exemplo, um cachorrinho fofinho é kawaii; um nenezinho é kawaii; uma florzinha pequenininha também é kawaii. Acho que a melhor tradução para kawaii é “amorzinho”. Sabe quando uma mulher vê uma roupa ou uma jóia que ela acha delicada e diz: Ah, que amor! ? É isso que é kawaii.

Portanto, o homem japonês se interessa por mulheres delicadas, pequeninas, frágeis, e até, infantis. Até nas revistas de mulher pelada (embora aqui elas não apareçam totalmente e peladas e, quando aparecem, tem um mosaico escondendo), não aparecem mulheres fazendo poses e caras sexies (na nossa concepção de sexy). O que aparecem são moças fazendo beicinho, olhando para cima, como se fossem criancinhas perdidas. Para um homem brasileiro, isso não é sexy; pelo contrário, é irritante. Dá vontade de dar um tapa da cara da mulher para ver se ela se ajeita. Mas, são características que só as mulheres japonesas têm. As ocidentais não interessam aos japoneses.

Eu por exemplo, prefiro mulheres fortes, mas ao mesmo tempo femininas, com tetas e bundas bem definidas. Para mim é importante que elas tenham jeito de mulher (adulta) e não de menininhas. Para os japoneses, por outro lado, as mulheres do tipo violão, são gordas. Eles gostam de mulheres restas, desbundadas e destetadas, como se fossem menininhas de 10 anos de idade. Não lhes excita ver uma mulher bonita, com um sorriso sexy e comportamento elegante. A eles, interessam mulheres magrinhas, pequeninhas, com cara de medo, de preferência, que entortem as pernas para dentro quando ficam com vergonha! Nada mais kawaii que mulher que entorta as pernas quando senta!

Em suma, as mulheres japonesas têm tudo o que os homens japoneses desejam. As ocidentais podem ser considerada bonitas, mas não são nem um pouco atraentes para os japoneses. Até pode ser considerado racismo, mas para todos os japoneses que eu perguntei, nem lhes passa pela cabeça namorar uma ocidental.

Nas locadoras de filme japonesas, pelo menos um terço do espaço é destinado a filmes pornográficos. Digamos que em determinada locadora tenha 1.000 títulos de filmes pornográficos. Desses, não mais do que 10 a 20 são importados, mostrando mulheres ocidentais. Filme pornográfico de mulher ocidental não tem saída no Japão!

Para terminar

É fato que muitas mulheres japonesas se preocupam em ter uma dobrinha. Mas nem lhes passa pela cabeça assemelhar-se às ocidentais. Elas dizem que os olhos com dobrinhas são mais “marcados”, e é isso que elas buscam, jamais a ocidentalização. Elas acham que, como japonesas, ficariam mais bonitas com olhos futae. Mas que fique claro, essa é uma preocupação totalmente feminina.

Aos homens japoneses pouco importa a existência ou ausência da dobrinha do olho das japonesas. Eles as avaliam no conjunto. Embora o importante mesmo seja ser kawaii (uma característica rara entre ocidentais e abundante entre orientais), mesmo na avaliação de ”bonita ou feia“, a dobrinha do olho tem pouca importância. Nisso eu concordo e até me arrisco a dizer que há mais feias com a dobrinha do que sem.

Quanto aos homens, nunca os ouvi dizer que se achavam mais belos se tivessem a pálpebra dobrada, ou porque tem a pálpebra dobrada. As mulheres japonesas quando se referem a um homem ocidental bonito, classificam-no de handsome, uma palavra em inglês para se referir à beleza ocidental masculina. Não sei como elas se referem a homens japoneses que elas acham bonitos.

O que é importante entender nisso tudo é que na cabeça dos japoneses, a beleza oriental e a beleza ocidental são duas coisas distintas. Não há cirurgia plástica que faça de uma oriental uma bela ocidental. As japonesas têm a sua beleza própria,que é apreciada pelos seus pares e, se algumas resolvem fazer cirurgia ou pôr cola nos olhos, é para realçar essa beleza e não para adquirir uma “beleza importada”.

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Os japoneses são frios? — II: As festas 

Uma coisa que japonês não é é “alegre”, ou youki, na língua deles. Às vezes eu tenho impressão até que de que eles têm uma certa inveja dos italianos nesse aspecto. Se não inveja, pelo menos uma admiração muitos japoneses têm pelos italianos.

Essa falta de habilidade para dançar, cantar e rir de qualquer coisa em qualquer lugar é muitas vezes interpretada como frieza. Os povos da Europa, desde antigamente, cantavam e dançavam nos casamentos, festas religiosas e no final da colheita. Os japoneses, por outro lado, nunca tiveram essa cultura da dança. As comemorações deles eram feitas na forma de matsuris, que geralmente tomam a forma de desfiles com yamaboko (algo parecido com carros alegóricos do Carnaval). Eu acho que por isso eles nunca desenvolveram uma cultura de danças e festas como existe na Europa e isso persiste até hoje.

As festas dos japoneses se resumem a reunir-se numa izakaya (bar estilo japonês), comer (pouco) e beber (muito). Todo mundo bebe e conversa. Muitos aproveitam essas horas para falar aquilo que não podem falar quando estão sóbrios. Geralmente, reúnem-se relativamente cedo num determinado lugar; uma parcela dos participantes da primeira reunião (ichijikai) segue para uma segunda izakaya ou para o karaoke (nijikai). Dependendo, pode haver uma sanjikai (terceira reunião) e uma yonjikai (quarta reunião), terminando tudo pelas 6h da manhã, hora de comer um lamen e voltar para casa.

No dia seguinte, não se comenta o que aconteceu nem o que se falou durante a festa. Eu acho isso ótimo! A gente pode beber, extravasar fazer o que quiser e ninguém vai ficar falando no dia seguinte.

Quem olha de fora, ou seja, quem não participou da festa, não tem idéia de quanto foi divertido! Acontece que, como eu disse acima, esse tipo de reunião se dá em lugares fechados. Em izakayas grandes, há divisões, de forma que um grupo de clientes não vê os outros grupos e, obviamente, quem está na rua, não tem idéia do que se passa lá dentro. Como no dia seguinte ninguém comenta, é como se não tivesse tido festa nenhuma. Conclusão: quem nunca participou de uma festa japonesa, pode ficar pensando que eles nunca se divertem.

Não posso falar pelo Brasil inteiro, porque eu sei que é muito diferente de região para região, mas se fosse em Passo Fundo, o padrão seria assim: (1) se tiver festa na casa de alguém, primeiro todo mundo vai nessa festa. A maioria dos convidados deixa essa festa entre meia-noite e 1 h da manhã e se reúne em outro lugar (geralmente na rua, num posto, etc) para combinar de ir para um bar ou uma boate. (2) Uma parcela vai para um bar e fica o resto da noite; outra parcela vai para a boate e fica lá o resto da noite. Se não tiver festa em casa de ninguém, o passo (1) simplesmente é pulado.

Claro que nem todos os que vão para a boate dançam, mas os que dançam o fazem naturalmente. No Japão também tem boates em estilo ocidental, mas chega a dar medo: são lugares sombrios, com muitos estrangeiros esquisitos. Nesses lugares se vêem japoneses dançantes, mas não sei explicar por que, a dança deles não é natural. Tipo assim, alguns parecem dançarinos profissionais. Enfim, dançar não é a maneira tradicional de se divertir por aqui.

Continuando a descrição de Passo Fundo, no dia seguinte, todo mundo comenta tudo o que ocorreu no final de semana. Na manhã de segunda-feira, em poucas horas, dá para saber quem pegou quem, quem tomou porre e fez fiasco, quem brigou com quem, etc. Ou seja, mesmo quem não foi em festa nenhuma, fica sabendo que teve festa.

Conclusão: os japoneses são divertidos e se divertem, mas o fazem em grupos previamente determinados e em lugares fechados. Até o karaoke (o meu preferido), é dividido em salas individuais, onde só conhecidos se reúnem. No Brasil, as pessoas vão a lugares abertos, como bares grandes e boates, onde se vêem, são vistos e se misturam com outros grupos de pessoas. Eu, que não me sinto bem no meio de estranhos, prefiro o modo japonês. Será que eu sou frio?

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Os japoneses são frios? — I: O corpo 

Antes de eu vir para o Japão, alguns amigos e conhecidos me avisaram: “os japoneses são muito reservados, vai ser difícil de você fazer amigos por lá ” e “eu tenho um conhecido que morou dois anos do Japão e não conseguiu fazer nenhum amigo”. Eu não levei muito a sério. Sou teimoso. Tenho que ver para crer. Mas, chegando aqui, logo no início do verão eu entendi que tipo de frieza eles têm.

Japonês, antes de ser frio, é friorento. No forte do verão, quando chega a fazer 40℃ de calor, os meus colegas do laboratório ajustavam o ar condicionado para 28℃. Considere-se que há janelas por onde o sol penetra e a porta não fica o tempo todo fechada, portanto a temperatura facilmente passa dos 30℃ nesse ambiente. Para mim, que sou de um lugar onde a temperatura dificilmente ultrapassa os 35℃, 30℃ é muito quente. Quando ninguém estava vendo, eu ia lá e baixava para 24℃ (se bem que eu gostaria de poder colocar uns 20℃). Logo que alguém entrasse na sala, diria: “que frio!” e regularia o ar condicionado novamente para 28℃.

No começo, eu achava que eram só os meus colegas da universidade, mas com o tempo fui percebendo que em todos os lugares é assim. É como se fosse uma regra: ar condicionado se regula para 28℃; no mínimo 26℃. Se tiver abaixo disso, já vem gente reclamando que está frio. Diante dessa constatação, eu concluí que não havia muito a fazer senão ter paciência e esperar que chegasse o inverno. Não adiantou. Aqui, eu passo calor no inverno também! Pelo menos, dá sempre para sair lá fora e aproveitar um ventinho fresco, coisa que no verão é impossível.

No hotel onde eu trabalho, há quartos com regulagem individual do ar condicionado e quartos com ar condicionado central. Nos quartos com regulagem individual, o marcador registra 22℃, verão e inverno. Mas eu acho que aquele marcador tem problemas, porque é quente. Nos quartos com ar condicionado central também é quente, especialmente no inverno. Dá para notar bem a diferença entre japoneses e americanos/europeus na sensibilidade ao frio. Num mesmo quarto, quando estrangeiros entram, a primeira coisa que querem fazer é abrir a janela para deixar entrar o ar fresquinho de fora. Se forem japoneses, algumas horas mais tarde, estarão pedindo cobertores porque acham que está frio. No local onde eu durmo lá também é assim. No início do outono, quando eu durmo sem camisa e só com um lençol, já tem colega japonês dormindo todo vestido, com um cobertor e um endredom por cima!

Ainda no hotel, outro dia, eu encontrei a secretária do gerente geral no elevador. Ela estava com um casaquinho de lã e uma manta enrolada no pescoço. Aí perguntei: “É gripe?” E ela disse: “Não. É que no escritório é muito frio.” Acontece que o gerente geral do hotel é americano e deve regular o ar condicionado para o gosto dele. Pobre japinha friorenta!

Com exceção das lojas de conveniência (que chegam a ser frias no verão), as demais lojas não dão aquela sensação gostosa de que entrou numa geladeira, típica de shopping centers e magazines. Mas o pior é no inverno, quando elas são realmente quentes. Dá apra ficar de manga curta lá dentro. Imaginem, eu saio de bicicleta num frio de 0℃, logicamente bem encasacado para me proteger do vento, e entro numa loja dessas. É entrar e ir arrancando as roupas, porque não dá para agüentar o calor.

Parece exagero de minha parte e, eu mesmo achava que era impressão. Até o dia que eu fui para o Brasil para visitar. Peguei um vôo da JAL (Japan Airlines) de Osaka para Tóquio e depois um da American Airlines de Tóquio para Chicago. No avião, a temperatura é totalmente controlada, pois independente da época do ano, a 1.000m de altitude, do lado de fora é frio. Pois no vôo da JAL eu passei calor! Não chega a ser um calor de fazer suar, mas é suficiente para dar um desconforto. Quando troquei para o avião da American Airlines, quanta diferença! Aí eu tive certeza que não era impressão, mas realmente os japoneses, em todos os lugares, sentem mais frio do que nós (os gaúchos — não me arrisco a dizer falar sobre como se sentem os brasileiros de lugares que não tem inverno).

Não sei até que ponto que isso é cultural ou genético, afinal o Japão não é só um país, mas é também uma língua, uma cultura e uma etnia. Eles também ficam admirados comigo na entrada do outono, quando eles já usam blusões e eu ainda estou de manga curta.

Falei aqui mais sobre a ”frioreza“ do que sobre a frieza em si. Nos próximos artigos, vou abordar outros aspectos de frieza que é atribuída aos japoneses.

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Os ônibus 

Uma das boas coisas do Japão são os transportes públicos, principalmente os trens. Como no Brasil não tem muito trem, eu resolvi falar primeiro sobre os ônibus urbanos, que fica mais fácil de relacionar.

Nas cidades do Japão é possível trabalhar, estudar e viver sem a necessidade de um automóvel particular. Basta uma bicicleta para ir aos lugares mais próximos de casa e, para ir a lugares distantes, utiliza-se o trem. Em alguns lugares menos habitados ou onde a construção de linhas de trem é difícil, circulam os ônibus. Portanto a quantidade de ônibus circulando na rua é bem menor do que no Brasil e são pouco comuns os terminais de ônibus e rodoviárias, em vez disso, há estações de trem.

As paradas de ônibus

Uma parada ônibus com nome

Acho que na maior parte do Brasil, elas são conhecidas como “pontos de ônibus”; em Portugual, elas são “paragens”. Como eu sou gaúcho, chamo-as de paradas. Voltando ao assunto deste artigo, vou começar descrevendo as paradas de ônibus para depois falar dos veículos em si.

Todas as paradas de ônibus, a exemplo das estações de trem, têm nomes. Fica muito fácil de explicar como chegar num lugar, apenas dizendo algo do tipo: desça na parada tal, ande até a esquina e vire à direita. Mesmo para quem não pega ônibus, elas servem como ponto de referência.

As paradas de ônibus têm nome

Os nomes são dados de acordo pontos de referências próximos àquela parada. A parda da foto se chama Centro de Convenções de Quioto/Museu de Artes Plásticas. Em alguns lugares onde não há nenhum prédio público, estação de trem ou ponto de referência, as paradas recebem o nome de ruas próximas ou do bairro.

Acho que a medida de colocar nomes nas paradas facilita muito o uso do ônibus. Não precisa pedir para o cobrador para descer na parada seguinte à mais próxima à prefeitura. Basta dizer que quer descer na parada tal. Fica muito fácil de explicar para alguém como chegar até um lugar de ônibus. Basta dizer, pegue o ônibus da linha tal e pare na parada tal. Essa é uma coisa que na minha opinião não tem nada a ver com o Japão ser um país rico, onde o governo tem mais dinheiro e por isso pode colocar nome nas paradas de ônibus. Na foto acima aparece uma parada de ônibus, com uma placa na frente, onde está escrito o seu nome. Certamente esta placa tem um custo, mas nem todas as paradas de ônibus do Japão são assim. Bastaria um poste, o mesmo onde se coloca uma placa para indicar que ali é uma parada de ônibus. Não custa nada escrever o nome da parada na placa! Seria bom se tivesse no Brasil também.

Mais um detalhes que aparece na foto acima: à direita tem uma lata de lixo e, à esquerda dessa, se vê um objeto bege com verde. É um cinzeiro! Nem todas as paradas de ônibus têm cinzeiro, mas também não é raro vê-los. O ideal seria que as pessoas que fumam, dessem um jeito nos seus tocos de cigarro (é fácil de encontrar e são baratos os cinzeiros portáteis), mas como eles sabem que nem todo mundo respeita, e que é perigoso colocar tocos de cigarro no lixo (pode incendiar), a prefeitura coloca esses cinzeiros nas paradas de ônibus. Se fosse no Brasil, acho que não durava uma semana antes que alguém levasse o cinzeiro para casa. Aqui, ninguém leva. Um pouco porque há a consciência do bem comum que o cinzeiro na parada de ônibus proporciona, mas principalmente porque ninguém saberia o que fazer com um cinzeiro daquele tamanho em casa.

Uma parada para ônibus de três empresas diferentes

Na foto ao lado, aparece uma outra parada de ônibus. Esta têm três placas de nome, uma para cada empresa cujos ônibus param ali. Nesse caso, as empresas são: Shi Basu (da prefeitura), Kyoto Basu e Keihan Basu. Por que há 3 placas com nome, já que é apenas 1 parada? Cada empresa é livre para colocar o nome que quiser na sua parada, portanto nem sempre os nomes são exatamente os mesmos, mas o que realmente justifica a existência de três placas separadas é o que está escrito no lado de trás das placas. Na frente está escrito o nome da parada, atrás há umas tabelas com os horários e mapas de todas as linhas que param ali.

Nas duas fotos que eu mostrei até agora, as paradas de ônibus têm telhado. Mas nem todas são assim. O que identifica uma parada de ônibus não é o telhado, mas as placas. Em muitos lugares, só o que há é uma placa. Nos dias de chuva, as pessoas ficam embaixo dos guarda-chuvas esperando o ônibus nessas paradas. Bom... não é muito diferente do Brasil nesse ponto.

Tabela dos horários

Na foto ao lado, está o exemplo de uma tabela com os horários dos ônibus da prefeitura (clique da foto para ver mais de perto). O número acima, à esquerda, é o número da linha. À direita do número da linha, está escrito o nome da linha. Para o mesmo número de linha, podem haver nomes diferentes, dependendo do destino final do ônibus. Abaixo, se vêem três colunas com horários diferentes: (1) dias de semana, (2) sábados e (3) domingos e feriados. Cada linha da tabela corresponde a 1 h e os números que aparecem na linha correspondem aos minutos daquela hora. Bem abaixo, aparecem os nomes de todas as paradas, desde a parada em questão até a última parada da linha. Assim facilita bastante para saber se o ônibus pára no lugar onde queremos ir.

O que eu escrevi até agora é cerca de 40% do que eu tenho para escrever sobre os ônibus. Vou continuar escrevendo nos próximos dias. Aguardem...

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Hi no yojin (火の用心) 

Passaram algumas pessoas agora na frente da minha casa, batendo uns pedaços de madeira e falando com um megafone. Pensei: não posso deixar de blogar isso.

O que eles diziam no megafone? Hi no yojin! Antes de dormir, certifiquem-se de que não há focos de incêndio e não esqueça de desligar a torneira do gás. Não sei traduzir direito a expressão hi no yojin, mas que dizer algo do tipo precaução contra incêndios. Em alguns lugares, se vêem placas, onde estão escritas apenas essas palavras.


Balde com a mensagem "Hi no Yojin"

Quem são essas pessoas que saem na rua de noite, no frio, só para ficar gritando para os moradores tomarem cuidado para que suas casas não peguem fogo? Bombeiros? Gente desocupada, ligada a alguma ONG louca? Não. São pessoas comuns da comunidade, ou em outras palavras, os vizinhos.

Não sei se no passado havia muitos incêndios no Japão. No presente, eu tenho a impressão que os incêndios são mais freqüentes no Brasil do que aqui. Até na tevê, quando acaba a programação, aparece uma mensagem, lembrando as pessoas de fechar a torneirinha do gás (aqui o gás é encanado) antes de dormir. No ano passado, quando deu um terremoto forte na Província de Miyagi, bem na hora do jornal local, a repórter teve frieza e calma suficiente para avisar os telespectadores para que fechassem a tal da torneirinha, enquanto o estúdio todo tremia!

Não sei de onde surgiu essa preocupação específica com incêndios, mas as pessoas da comunidade (principalmente os velhos que ficam mais em casa) se envolvem em várias atividades desse tipo. Eu vejo esse tipo de coisa na tevê quase diariamente. Aqui em Quioto, como em outras cidades, houve alguns casos de assalto a crianças. Não com a violência que existe no Brasil, mas, apenas alguns adultos que se aproveitam da inocência das crianças para lhes roubar dinheiro. Em resposta a isso, a comunidade de Yoshida Honmachi (um bairro de Quioto) se reuniu e saiu com a seguinte solução: não vamos deixar a rua deserta no horário em que as crianças estão indo e voltando da escola. Os velhos que costumam fazer caminhadas, passaram a caminhar no horário em que as crianças estão se deslocando e as donas de casas passaram a molhar a varrer a frente de casa e a molhar a flores nesse horário. São coisas simples, que não atrapalham a vida de ninguém, mas que resolveram o problema das crianças.

Esse é apenas um exemplo dos muitos que existem por aqui, de pessoas que se reunem, conversam e resolvem os problemas da comunidade. Ninguém teve que xingar a polícia ou o governo porque as suas crianças estavam expostas ao perigo ao irem para a escola. Ao invés disso, pensaram numa solução que estivesse nas mãos deles e a puseram em prática.

São muitos os casos de pessoas que doam algumas horas do seu tempo a atividades voluntárias, como aqueles que passaram na frente da minha casa pedindo para tomar cuidado com incêndios. Há outros que roçam, capinam e plantam flores em canteiros públicos; outros que criam estratégias para se prevenir de desastres em caso de terremotos; outros que fazem campanhas para a diminuição da quantidade de lixo produzida pela comunidade... os exemplos são muitos.

Essa é uma coisa que eu admiro muito no povo japonês e que, infelizmente não se vê muito no Brasil. Qualquer problema que encontramos, logo culpamos o governo e dizemos que não podemos fazer nada a respeito. Quero um dia, quando voltar para o Brasil ser capaz de fazer na comunidade em que eu for morar o mesmo que os japoneses fazem nas suas. É uma lição a ser aprendida.


Um balde em primeiro plano e, no fundo, um extintor de incêndio e mais dois baldes

Na foto ao lado aparece um balde (igual ao da foto do início do artigo) e, ao fundo um extintor de incêndio e mais dois baldes. Nos baldes está escrito "hi no yojin".

É muito comum os japoneses colocarem um balde cheio d'água na frente de casa. Não sei se eles imaginam que aquela água seja suficiente para apagar um eventual incêndio nas suas residências. Acho que esse gesto tem mais o sentido de promover a conscientização do que a utilização na prática. Por outro lado, o número de baldes na rua é tão grande que se houver incêndio numa casa, é possível que juntando vários baldes seja possível de fazer alguma coisa.

Na vizinhaça onde eu tirei essas fotos, além dos baldes, em muitas residências também se encontram extintores de incêndio. Com a colaboração dos vizinhos, acho que é possível no mínimo retardar o alastramento do incêndio até a chegada dos bombeiros, senão apagar o fogo por completo.

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Ganbatte (頑張って) 

Mais uma palavra que não tem tradução mas é muito usada nas ocasiões em que os brasileiros diriam boa sorte. A diferença entre dizer ganbatte e boa sorte explica várias diferenças entre a cultura japonesa e a cultura brasileira.

Ganbatte é a forma imperativa do verbo ganbaru que significa esforçar-se. Aqui também, embora a tradução que consta no dicionário seja esforçar-se, o nível e o tipo desse esforço é diferente do a palavra em português é capaz de expressar, ou seja, realmente não há uma tradução tradução para essa palavra. Tanto isso é verdade que brasileiros que moram no Japão freqüentemente utilizam expressões do tipo: “ele está ganbatando”, “este ano eu vou ganbatar”, “ganbatei hoje e consegui terminar o meu trabalho”.

Ganbaru não se refere a um esforço pequeno, que não nos custa nada; é um esforço concentrado, onde sacrificamos outras coisas, vencemos o cansaço e outras dificuldades, para alcançar um objetivo. Para os japoneses, mesmo que não consigamos alcançar o nosso objetivo, o importante é que tenhamos nos esforçado ao máximo. No Japão, o esforço é mais respeitado do que o resultado. Assim, mesmo quando alguém consegue um resultado satisfatório com um esforço pequeno, os japoneses não consideram uma grande vitória, pois se o esforço tivesse sido maior, o restultado poderia ter sido melhor.

Esse modo de pensar tem uma outra conseqüência: os japoneses não atribuem o sucesso ao talento individual. Eles não acreditam (ou pelo menos agem e falam como se não acreditassem) que algumas pessoas tem um dom ou talento especial. Todo sucesso é atribuído ao esforço e não à natureza das pessoas.

Por exemplo, se alguém no Japão disser que vai fazer um teste, ouvirá dos outros "Ganbatte kudasai!" (Se esforce!); se for no Brasil, ouvirá "Boa sorte!" Assim, se obtiver um bom resultado no Japão, será porque se esforçou bastante; no Brasil será porque estava no seu dia de sorte. Caso não tenha um bom resultado no teste, o japonês dirá: "Eu não estudei o suficiente o conteúdo do teste, por isso fui mal". O brasileiro poderá dizer: "Tive azar, caiu no teste a matéria que eu não sabia". Da mesma forma, poderia dizer: "Tive sorte, pois caiu no teste exatamente o que eu tinha estudado". Ou seja, mesmo que tivesse se esforçado mais, o seu resultado não poderia ser melhor, pois depende da sorte.

Nos esportes, também os japoneses não desejam boa sorte aos atletas, mas pedem aos atletas que se esforcem ao máximo. Isso antes da competição, situação na qual o brasileiro desejaria boa sorte aos atletas. Durante a competição, entretanto, eu acho que o papel da sorte se torna secundário, inclusive para os brasileiros. Acho que é a situação "as cartas estão da mesa", ou "os dados estão rolando". O brasileiro grita "vamos lá!", "vai! vai! vai!", "força!", etc., que tem exatamente o mesmo significado que o japonês grita: "ganbare!". Não cheguei a analisar a conseqüência prática desta coincidência, mas certamente um ponto interessante.

Outra situação é com relação aos artistas. Em gravações de shows ao vivo é comum ouvir alguém da platéia gritando "ganbare!". No Brasil gritam todo tipo de coisa, mas acho que ninguém pede para o artista se esforçar no show que está por iniciar. A atitude dos fãs japoneses com relação aos artistas é bem mais humana do que a dos brasileiros. Os japoneses geralmente desejam que os artistas tenham saúde e que se esforcem para continuar fazendo cada vez melhor o seu trabalho. São coisas que os japoneses também costumam desejar aos seus colegas, chefes e amigos, ou seja, os artistas são vistos como pessoas comuns. No Brasil, com todas as diferenças sociais que existem, os artistas são tidos como algo diferente, como se não fossem humanos. Muitos fãs não os vêem como seres de carne e ossos, que batalharam muito na vida para conseguirem o sucesso atual. Provavelmente estes fãs imaginam que os artistas tiveram sorte em se tornarem artistas. Pelo menos é assim que eu vejo.

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Educação 

Eu gostaria de poder falar no geral sobre a educação no Japão, mas eu não conheço muito. Nunca fui à escola aqui e não conheço ninguém que esteja indo no momento. Só o que eu sei é o que eu ouço falar das pessoas que eu conheço e da tevê, além do que eu vejo na rua.

A escola aqui é dividida em três níveis: shogakko (primário), chugakko (médio) e koko (segundo grau). Ao que me parece, shogakko não é muito diferente do primário no Brasil, embora a qualidade do ensino nem se compare, digo, dá para comparar a qualidade do ensino em escolas públicas japonesas com a de boas escolas particulares no Brasil. A partir de chugakko, eu tenho a impressão de que a escola daqui é bem mais exigente. Além disso, existem cursinhos (como os pré-vestibulares) para os alunos se prepararem para concorrer a uma vaga no segundo grau (koko). A educação é obrigatória somente até o nível de chugakko e não existem vagas para todos os alunos no koko. Mas, mais importante do que isso, garantir uma vaga numa boa escola de segundo grau pode ser decisivo, mais tarde, para entrar na universidade.

O segundo grau

O segundo grau, pelo que eu vejo, é a fase mais difícil na vida dos estudantes e, possivelmente, na vida inteira dos japoneses. É nessa fase que se decide o seu destino para toda a vida, porque dependendo de o quanto eles estudarem, poderão garantir ou não uma vaga numa boa universidade. Muitos estudantes de segundo grau fazem cursinho desde o primeiro ano (são 3 anos): vão na escola de manhã e ficam lá até o meio da tarde. Saem da escola, fazem um lanche e vão para o cursinho, até de noite. No dia seguinte, acordam e vão para escola de novo. Para quem quer ir para a universidade, não sobra muito tempo nem para dormir!

O vestibular

A Universidade de Quioto, onde eu estou estudante, é considerada a segunda melhor do país, atrás apenas da Universidade de Tóquio. É muito difícil de passar no vestibular para qualquer curso na universidade de Quioto. A minha professora de japonês dizia que para entrar na universidade de Quioto, não pode durmir mais do que 4 horas por noite: tem que estudar muito. Quem dorme 5 horas, não entra! Aqui também, as universidades públicas são mais bem conceituadas e a mensalidade é mais baixa (não gratuita) do que nas universidade particulares. Como no Brasil, grande parte dos alunos que conseguem entrar na universidade pública fizeram cursinho. O cursinho é caro, mas não é necessariamente elitizado, porque mesmo famílias mais humildes fazem grandes sacrifícios para pagar os estudos dos seus filhos.

Como em qualquer outro lugar do mundo, o nível de competição depende da faculdade e, como não poderia deixar de ser, uma das mais concorridas sempre é a Medicina. O vestibular é feito em dois níveis: primeiro um exame eliminatório padrão aplicado em todo o país. Quem não for cortado nesse, faz uma exame específico para a universidade onde deseja estudar. Nas livrarias está cheio de livros com questões das principais universidades da cidade para os alunos se prepararem.

Escolas técnicas

Alguns alunos escolhem ir para escolas técnicas em vez da universidade. Não sei quais são os motivos que os levam a tal escolha. Pode ser por que não conseguiram entrar em nenhuma universidade. Ou, por ideologia (que os jovens japoneses têm sim!), resolveu que a universidade não era para ele. Ou pode ser ainda, porque queria começar a trabalhar logo (os cursos técnicos têm 2 anos de duração).

Existem escolas técnicas para as mais variadas profissões, desde Moda e Beleza até Arquitetura e Eletrônica. No meu trabalho no hotel, conheço vários que fizeram escola técnica em Hotelaria. Como o Segundo Grau Profissionalizante do Brasil, as escolas técnicas preparam os alunos para o trabalho. Eles aprendem coisas práticas e quando se formam estão realmente prontos para o trabalho.

A graduação

Tendo passado ou não no vestibular, o destino dos japoneses é decidido neste momento. Os que não passaram, podem tentar outra vez no mesmo lugar, tentar numa universidade menos concorrida, tentar entrar numa escola técnica ou simplesmente procurar um emprgo. Ainda existem umas poucas vagas para quem não é formado, mas o salário é mais baixo e a possibilidade de ser promovido fica bem reduzida. Esse "emprego" que eu falo aqui não é um emprego qualquer é um EMPREGO, que eu vou explicar outro dia. Voltando ao assunto, quem fez faculdade, tem a possibilidade de conseguir um emprego. Mas mesmo assim não é fácil. Pesa muito o nome da universidade em que a pessoa se formou. Um pouco menos importante do que a universidade em si, é o curso. Menos importante ainda, serão as notas que ele teve na faculdade.

Entrar na faculdade no Japão é muito difícil. Mas sair dela é fácil. Neste ponto também é o oposto do Brasil. Embora seja difícil de entrar em alguns cursos, como a Medicina, fazer o curso é no mínimo tão difícil quanto. Aqui não. Quando o aluno entrou na faculdade, os seus dias de sofrimento terminaram. Os professores não controlam a presença e em muitas matérias não tem prova. Basta escrever alguns relatórios, os quais o professor também não vai ler. Um amigo meu que fazia Direito ficou o último semestre da faculdade dele praticamente sem aparecer na aula. No último mês, ele estudou para a provas finais e passou! Será que ele é um gênio?

Andando pela universidade dá para sentir que o número de alunos andando pelas ruas e nos restaurantes universitário não condiz com o tamanho da universidade. Eles não vêm pra universidade! Mas não são todos assim: os calouros que entram em abril, esses sim, vêm todos os dias. Tanto é verdade, que não dá para entrar no restaurante universitário entre abril e maio. Está sempre entupido de bixo. Isso até chegar a Golden Week, que é um feriadão que tem no final de abril. Aí, de repente, toda a bixarada, ao mesmo tempo, percebe que não precisava estar indo na aula todo dia e some. Considerando que a maioria das cursos são de 4 anos, os calouros deveriam corresponder a 1/4 dos alunos de graduação. Mas em movimento na universidade aumenta como se tivese mais do que o dobro de alunos, sendo que o número total teoricamente não aumenta, porque outro 1/4 se formou.

Fico pensando até que ponto os alunos recebem preparo técnico na faculdade. Não cheguei a perguntar detalhes para alunos de outras faculdades, mas na minha (Agronomia), eu posso falar alguma coisa. Começa pelo conceito que eles têm de Agronomia, que está completamente equivocado. Pelo menos no meu curso de pós-graduação é assim. Já experimentei perguntar para vários colegas se eles sabem o nome científico do arroz. Ninguém! Ninguém sabe! Aposto que se der para eles uma semente de arroz para plantar, não saberão o que fazer com ela. Mas são todos formados em "agronomia", num país onde a principal cultura agrícola é o arroz. No Brasil não se perdoa que um engenheiro agrônomo não saiba o nome científico das principais culturas. É normal que saibamos não só o nome das culturas, como também das plantas daninhas, das pragas, dos agentes causais das doenças... Outro dia, não lembro porque, quis conversar com um colega sobre fotossíntese. Já de cara ele disse: eu não entendo nada de fotossíntese porque eu estudo animais (silvestres!!!). Como pode alguém se formar em Agronomia e sair falando normalmente que não entende de fotossíntese?

Outra vez, conversando sobre isso, eu perguntei para outro colega "afinal, o que é vocês estudam na graduação aqui?" Segundo ele, não existe um conteúdo definido. Os professores não dão aulas; eles dão palestras sobre o assunto que estão pesquisando. Como, na universidade, os professores são livres para pesquisarem o que bem intenderem... Sendo assim até dá para entender por que não tem prova. Nem precisa!

Não sei como é nas outras faculdades. Eu imagino que Medicina seja diferente. Até hoje eu não conheci nem conheço ninguém que faz Medicina. Eu acho que eles estudam mesmo e por isso não têm tempo de se relacionar com as pessoas.

A pós-graduação

Eu cheguei à conclusão de que a pós-graduação é igual em qualquer lugar do mundo. Mesmo o sistema sendo um pouco diferente, a atmosfera é a mesma. É um monte de gente que só estuda e não sabe conversar. Eles estudam uma coisa tão específica e tão a fundo que esquecem de todo o resto. Tem gente até que não tem televisão em casa!

Mas embora a atmosfera, as pessoas e o material não seja tão diferente do Brasil, o Japão é o segundo país que mais publica artigos científicos (atrás apenas dos EUA), enquanto o Brasil, apesar de ter aumentado muito nos anos 90, ainda está (não lembro bem) na oitava colocação. Ao ler isso, certamente muitos dirão: é que o Brasil não investe em pesquisa. É verdade, mas não é isso que justifica essa diferença no número de artigos publicados. (Tenho muito para falar sobre este assunto, por isso vou escrever um artigo separado sobre A Pesquisa na Universidade).

Uma coisa estranha é que alunos formados em uma faculdade podem ir fazer pós-graduação em outra sem relação nenhuma! Eu já tive uma colega formada em Sociologia e agora tenho um outro colega que é formado em Filosofia. Mas, considerando que eles não aprenderam nada na graduação mesmo, não faz diferença.

No Brasil, muitos estudantes de pós-graduação estudam e fazem e escrevem os seus relatórios em casa. Só vão na universidade para assistira às aulas, ir na biblioteca, conversar com o orientador ou fazer alguma experiência para a qual precisem de equipamento da universidade. No Japão isso não acontece. Os japoneses vão para a universidade de manhã e só voltam para casa de noite. O horário deles é diferente do nosso: eles começam a chegar na universidade depois das 10 da manhã, mas muitos só vão embora depois das 11 da noite. Além disso, eles não voltam para casa para almoçar. Ou comem no restaurante da universidade, ou compram um sanduíche ou um lamen e comem nas suas escrivaninhas, enquanto lêem ou mexem no computador.

Eles ficam muito tempo na universidade, mas a eficiência deles, em relação aos brasileiros é menor. Os brasileiros procuram fazer o que têm que fazer no menor tempo possível para se livrar e ir fazer outras coisas, como ir tomar uma cerveja no final da tarde ou assistir a novela das oito. Os japoneses ficam lá fazendo e refazendo gráficos, escrevendo relatórios, etc. Como os orientadores são (ou se fazem de) muito ocupados, os estudantes de pós-graduação, antes de perguntar qualquer coisa, escrevem uma espécie de relatório com as suas idéias até o momento e dão para o orientador ler. Grande parte do tempo que eles gastam na universidade é para escrever esses relatórios. Esse processo de fazer, refazer, escrever relatório e refazer de novo faz com que a qualidade final do trabalho deles, em média, seja melhor do que a do trabalho dos brasileiros.

Este artigo já está muito comprido. Vou escrever mais sobre a pós-graduação no Japão num artigo separado (outro dia, não hoje).

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Mulheres de meia-idade 

As pessoas que eu mais detesto na rua são as mulheres de meia-idade: aquelas entre 40 e 55 anos de idade. São as piores pessoas do Japão. A partir das 4h da tarde, elas começam a sair de casa (de bicleta) para fazer compras no supermercado.

Invariavelmente, elas regulam o banco da bicicleta para uma altura que os seus pés não alcançam o chão. Quando vão estacionar, em vez de ir um pouco para o canto da calçada, elas vão reduzindo a velocidade no meio da calçada mesmo e, de repente, saltam da bicicleta! Quem vem vindo atrás que dê um jeito de desviar.

Quando elas vêm em sentido contrário, o incômodo não é menor. No Japão, os carros da rua e até as pessoas em lugares muito movimentados, andam no lado esquerdo da rua ou das calçadas. É uma convenção, que, obviamente, aplica-se às também às bicicletas. Mas as mulheres de meia-idade, que nunca dirigiram na vida, não têm consciência disso. Eu venho pedalando tranqüilamente pela esquerda e quando me deparo com uma dessas, ela fica me olhando sem saber para que lado vai. Eu não mudo a minha direção, porque eu é que estou certo. Até chegar uma distância que, se os dois continuarem, inevitavelemente se baterão de frente. Eu freio e a véia do outro lado salta (lembre-se da altura do acento). Parece engraçado, mas é bem estressante.

Finalmente, as mulheres de meia-idade chegam ao seu destino: o supermercado. São as piores caras do Japão. Todas de mal-humor, jogando as compras nas suas cestinhas. Não é como no Brasil, onde as madames vão passear no supermercado empurrando seus carrinhos, analisando os produtos, aproveitando a sua vida boa de dona-de-casa. Na hora de pagar, é que elas fazem a cara mais feia, principalmente se tiver fila no caixa. Nessas horas, as brasileiras sempre encontrarão uma amiga para conversar enquanto esperam, ou estarão escolhendo algum produto nas gôndolas próximas, sem estresse. As mulheres de meia-idade japonesas, não. Uma vez eu comentei sobre isso com um amigo japonês. Ele disse que elas fazem aquela cara porque elas não estão lá a passeio. Elas estão trabalhando! Elas são donas-de-casa e o trabalho delas é ir ao supermercado às 4h da tarde.

De fato, a cara que elas fazem não é só um pouco pior do que a dos homens engravatados que andam no centro da cidade durante o dia.

Acréscimo

Eu acho que esta é a quinta vez que eu edito este arquivo. Da última vez tive que apagar uma parte porque eu não conseguia lembrar um exemplo de coisas que eu não gosto e que as mulheres de meia-idade fazer no supermercado. Anteontem aconteceu uma situação que eu acho que ilustra bem o que eu quero dizer.

Anteontem, quando eu voltava do trabalho, por volta das 8h30min da manhã, parei numa loja de conveniência para comprar um sanduíche. Quando chegou a hora de pagar, eu não conseguia achar a minha carteira (eu tinha colocado dentro da mochila). Atrás de mim estava uma mulher de meia-idade. Me desloquei um pouco para o lado no balcão para dar espaço para ela enquanto eu procurava a minha carteira. A mulher colocou a cestinha dela, onde tinha apenas uns 10 potinhos de iogurte, sobre o balcão.

Após eu estar procurando a carteira por uns 30 segundos, a mulher, que agora estava ao meu lado, olhou para a moça do caixa e disse “Será que não dá pra fazer mais rápido? A moça do caixa ficou paralisada, sem saber o que fazer. Ela tinha que fechar a minha conta antes de atender o próximo da fila e não podia pedir para eu fazer mais rápido (e estava bem claro que eu estava fazendo o mais rápido que eu podia), nem me fazer esperar ela atender a mulher primeiro. Eu olhei para a cara dessa mulher e ela fez de conta que eu nem estava ali, como se o problema fosse entre ela e a moça do caixa. Odiei aquela mulher.

Estou criticando a atitude da mulher, mas ela tinha a sua razão para estar irritada. Uma das coisas que os japoneses não gostam é que lhes façam esperar. As empresas têm consciência disso e criam sistemas e treinam seus funcionários para que os clientes sejam atendidos no mínimo tempo possível e o mais rápido possível. Eu também estava errado, pois deveria estar com a minha carteira na mão antes de chegar no caixa para evitar de causar meiwaku aos outros.

Apesar de os funcionários serem treinados para atender rapidamente, como é caro manter um funcionário (os salários são relativamente altos), as empresas também ajustam o número de funcionários para o número mínimo necessário. Nas lojas de conveniência, na maioria dos horários, há apenas dois funcionários. Essas duas pessoas são responsáveis não só pelos caixas, mas também pela limpeza do piso, troca de sacos de lixo, controle de estoque, reposição de mercadorias, preparo de alguns salgados quentes e possivelmente outras coisas que eu não sei. É comum, ao chegar numa loja dessas, não ter ninguém no caixa. Ao aproximarmos do balcão, o funcionário que está passando pano no chão ou repondo mercadoria, etc. deixa o que está fazendo e corre até o caixa para atender o cliente.

Todo mundo sabe que as lojas de conveniência funcionam assim, mas as mulheres de meia-idade parecem não entender e apreciar o esforço dos funcionários de supermercados e lojas de conveniência. Que raiva!

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A cara das pessoas na rua 

Uma coisa que chama atenção quando se chega no Japão é a expressão do rosto das pessoas na rua. Aqui todo mundo anda de cara fechada.

Além disso, como não existem bancos e lugares para as pessoas pararem na rua, está sempre todo mundo em movimento. Dá até vergonha de parar em algum lugar só para olhar o movimento. Eu me sinto como se estivesse fazendo alguma coisa errada, ou como se não estivesse fazendo o que eu devo. Todo mundo está indo de algum lugar para algum outro lugar, com algum motivo. Devem ter seus compromissos e por isso estão passando por ali. Estando parado numa esquina, dá a impressão que você não tem nada para fazer. Deveria estar estudando ou trabalhando ou fazendo alguma coisa de útil.

No Brasil se vêem pessoas sentadas nos bancos das praças, no cordão da calçada, nos bares. Pessoas conversando pelas esquinas ou conversando enquanto caminham. Outras pessoas estão apenas indo de um lugar para outro, às vezes apressadas. Mas, por mais apressadas que estejam, olham para os lados, observam, aproveitam a sua caminhada. Os japoneses da rua, por outro lado, dificilmente olham para os lado. Para dizer a verdade, nem para frente eles olham: andam com os olhos baixos, mirando poucos metros à sua frente, para não tropeçar. Não se vê ninguém sentado nos bancos das praças, porque eles simplesmente não existem. As calçadas são estreitas (quando existem) e não há espaço para sentar. Em alguns lugares, ficar parado atrapalha o fluxo de pessoas e bicicletas.

No começo foi um choque para mim. Estressava. Mas agora eu não só estou acostumado, como faço exatamente como eles. Às vezes sou até repreendido por estrangeiros conhecidos por me comportar como os japoneses, mas eu é que estou certo! Se os japoneses conseguem viver assim, por que eu não conseguiria? É preciso adaptar-se para não causar problemas para os nossos anfitriões.

Mas que faz falta um barzinho com mesas na calçada, isso faz. Aqui eles até existem, mas são muito raros. As mesinhas não ficam na calçada e nem poderiam. Como eu já disse, essas são estreitas demais. As mesas ficam no próprio terreno do bar, digo, café (o Starbuck's Café geralmente tem mesinhas na rua). Os japoneses, ao que me parece, têm vergonha de beber (álcool) na rua. Até bebem ao ar livre, mas não em locais onde há circulação de pessoas.

Yankees

De madrugada, às vezes se vêem japoneses agachados comendo, bebendo cerveja e fumando na frente das lojas de conveniência. Esses são chamados aqui de yankees. São uns japoneses estilosos, muitos deles loiros, de mais ou menos 20 anos de idade. Acho que eles não estudam nem trabalham e muitos japas "normais" têm medo deles! É uma versão japonesa de marginal. Pelo menos a cara deles não é estressada.

Estudantes

Estudantes
Estudantes japoneses

Pelas 8h da manhã, começa a movimentação de estudantes indo das suas casas para a escola. São criancinhas pequenas, meninos, meninas e jovens. Nesse horário também se vêem policiais femininas cuidando da segurança das criancinhas. Não se vê muito mães levando as crianças para a escola. As criancinhas à pé, aos grupos, todos de uniforme. Todos os estudantes usam uniforme, mas o que mais chama atenção é o das moças do segundo grau. Elas usam umas saias provocantes, de pernas de fora, mesmo nos dias mais frios do inverno. Os meninos usam ternos, às vezes até com gravata e tênis. Mas o que mais chama atenção são as caras. As criancinhas são criancinhas, vão para a escola conversando, olhando para os lados, às vezes correndo. Os estudantes de segundo grau, esses dá pena! Eles têm uma cara de zumbi. Acho que não dormem, só estudam! Aqueles olhos fundos, cabelos mal penteados, uniformes amarrotados, olhares apagados. Não têm o brilho típico dessa idade. Isso de manhã! Assim é o Japão.

Os estudantes que aparecem na foto acima provavelmente são da escola média. Coloquei esta foto mais para mostrar os uniformes. Esses não são os estudantes com cara de zumbi. Quando eu tirei a foto, eles vinham conversando animadamente, mas por algum motivo saíram com essas caras (acho que não são fotogênicos).

Mulheres de meia-idade

Dediquei um artigo inteiro a elas.

O que pensam os japoneses sobre a cara dos brasileiros na rua?

Eu só tenho o exemplo de 1 amigo japonês que foi a turismo para o Brasil. Sem eu perguntar, ele disse que observou que as pessoas no Brasil andavam na rua relaxadamente e que gostou da atmosfera a ponto de, ao voltar para o Japão, sentir-se estressado com a cara das pessoas na rua, mas logo se readaptou.

Não acho adequado falar aqui de "a cara dos brasileiros nas ruas do Japão". Portanto, abstenho-me.

Ressalvas

Falei aqui de maneira geral, da atmosfera, de como eu me senti nas primeiras vezes que saí na rua aqui no Japão. Assim com no Brasil também existem pessoas que andam com a cara fechada, sem olhar para os lados, no Japão também se vêem pessoas caminhando, conversando animadamente. E isso não é nem considerado estranho aqui. Dependendo do local e do horário, a impressão pode ser completamente diferente. Não falei aqui por exemplo, da cara das pessoas que saem de noite com os amigos para jantar ou beber.

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Fantasmas 

No Brasil, as pessoas se dividem entre aqueles que acreditam em fantasmas e os que não acreditam. Os japoneses se dividem entre os que vêem e os que não vêem os fantamas. Que eles existem, ninguém aqui duvida.

O Japão é um dos países com menor índice de criminalidade do mundo. É perfeitamente seguro caminhar em ruas escuras à noite. Mas muitos japoneses e, em especial, as japonesas, evitam lugares escuros porque têm medo de fantasmas. Uma vez, uma colega minha da faculdade precisava fazer algumas observações à noite, numa planta que ela estava estudando. Ela falou, no seminário, com a maior naturalidade, que precisava que alguém fosse com ela porque ela tinha medo de fantasmas. Ninguém riu, nem comentou. Se fosse no Brasil, os colegas teriam caído na gargalhada. Mas aqui, fantasma é coisa séria.

Há vários lugares na cidade reconhecidamente assombrados. Um deles é o bairro de Misasagi (que quer dizer "mausoléu"). Dizem que a polícia recebe vários chamados por mês por causa dos fantasmas. Outro lugar é o oitavo andar do hotel onde eu trabalho. Tem uma sacada e dizem que uma vez uma pessoa se suicidou lá e agora assombra o lugar. Já teve casos de hóspedes que pediram para trocar de quarto por causa dos fantasmas! Um colega meu de trabalho disse que já viu o tal do fantasma do oitavo andar.

Eu não acredito em fantasmas. Acho que eles não aparecem para quem não acredita neles. Por isso eu não tenho medo.

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É difícil aprender a falar japonês? 

Essa pergunta equivale a: “É difícil de aprender a falar?” Pelo menos, para quem tem como língua materna outro idioma que não o coreano, essa é a realidade. Portanto não é propriamente difícil, nem fácil, senão demorado.

Quanto tempo uma pessoa leva para aprender a falar? Com dois anos, fala coisas básicas, relativas ao mundo que a cerca; com uns 6 anos, consegue contar histórias, reais ou inventadas. Mas somente com uns 15 anos conseguirá conversar sobre assuntos mais abstratos. E provavelmente não será capaz de pronunciar um discurso, com argumentação clara, antes dos 20 anos de idade. Obviamente, não se pode comparar a inteligência de uma criança recém-nascida com a de um adulto que já sabe falar um idioma.

Além da inteligência mais desenvolvida, o adulto acumulou uma certa quantidade de conhecimento antes de começar a aprender a falar japonês. Uma parcela desse conhecimento pode ser expressa da mesma forma em várias línguas. Refiro-me aqui especialmente a conhecimento técnico. Grande parte dos termos técnicos em ciência, política e economia foram introduzidos no Japão a partir do ocidente no final do seculo XIX. Apenas substituíram-se radicais gregos e latinos por caracteres chineses, de forma que as palavras têm exatamente o mesmo significado que as suas equivalentes em outras línguas. Nas inclusões mais recentes de palavras tecnicas estrangeiras, nem mesmo a substituição por caracteres chineses é feita: apenas escrevem a palavra estrangeira com katakana. Na minha opinião, são mais fáceis de aprender e entender as palavras que utilizam caracteres chineses do que as que se limitam a imitar o som de palavras estrangeiras. (Explicarei o porquê disso em outro artigo sobre a leitura em japonês.)

Existe no entanto, uma outra classe de palavras que é peculiar à língua e à cultura japonesa. Para aprender essas palavras, o dicionário não ajuda muito. Um dicionário japonês-japonês pode ser de certa utilidade, enquanto um dicionário japones-português, por mais bem elaborado que seja, não vai conseguir explicar perfeitamente os conceitos japoneses. É preciso viver, sentir e ouvir as pessoas para aprender. Há sentimentos que só se sentem no Japão e dentro da sociedade japonesa. É muito fácil e conveniete expressá-los em japonês, ao passo que, para dizer a mesma coisa em português, uma longa explicação seria necessária. A situação inversa não deixa de ser verdadeira. Não é fácil de explicar em japonês como um brasileiro se sente do Brasil.

Abordagem

Portanto, para aprender a falar japonês, deve-se esquecer a sua língua materna e aprender como se fosse uma criança: ouvindo os adultos e repetindo as plavras em situações semelhantes às que foram usadas pelos outros. Não se pode questionar detalhes da gramática ou da semântica. Por exemplo, em japonês, os verbos principais geralmente são colocados no final da frase. Por quê? Não importa! É assim e pronto! Alguém já se perguntou por que em português o adjetivo vem depois do substantivo? Em muitas línguas, incluindo o japonês, é o inverso. Mas quando se aprende o primeiro idioma, não questionamos essas coisas. Pode-se perguntar também: "Por que a água quando congela se chama de gelo?" Se em vez de água, fosse vidro, diríamos "vidro líqüido" e "vidro sólido"! Em japonês há um nome para água sólida, outro para água líqüida fria e outra para água líqüida quente. Por que eles precisam de nomes diferentes para a mesma água, apeans porque foi aquecida? Ao se fazer esse tipo de pergunta, perde-se tempo. Não há resposta. Mesmo que houvesse, essas respostas não nos iriam ajudar no aprendizado da língua.

A pronúncia

Para o brasileiro a pronúncia do japonês é relativamente simples. Existem, porém algumas diferenças:

Keigo (敬語)

É o japonês formal. A palavra keigo significa linguagem de respeito. Esse sim, eu poderia dizer que é difícil e até complicado, não só para estrangeiros, com para os próprios japoneses. Em português também existe uma linguagem formal que muitos brasileiros não dominam e a própria cultura brasileira faz com que essa linguagem seja reservada somente para situações extremamente formais. A versão brasileira do keigo se resume à utilização de pronomes de tratamento (o senhor, vossa senhoria, etc.) e palavras consideradas mais educadas (sua residência, em vez de tua casa, por exemplo), além da pronúncia correta das plavras (comprar em vez do coloquial comprá).

Em japonês tem vários níveis de linguagem de respeito. A mais comum e que a maioria das pessoas dominam é aquela utilizada entre estranhos que não estão dentro de uma relação hierárquica definida. Quando as pessoas se conhecem, logo querem saber a idade, a profissão etc. da pessoa com quem estão falando, procurando estabelecer a relação hierárquica entre os dois. Dependendo da relação estabelecida, os dois podem ir baixando o nível da línguagem de respeito gradualmente, poderão aumetá-lo ou, de uma hora para outra, passar a falar em dialeto (ou seja, linguagem extremamente familiar).

Basta 1 ano de diferença na idade para que a pessoa mais nova se sinta obrigada a utilizar linguagem de respeito. No Brasil, eu diria que essa diferença tem que ser de no mínimo uns 10 anos. Da mesma forma que no Brasil, quando a relação é estabelecida por um outro fator que não a idade, a linguagem de respeito será utilizada. Por exemplo, o balconista de uma loja utilizará linguagem de respeito ao falar com os seus clientes, mesmo que seja claramente mais velho do que o cliente.

No caso da loja, o japonês balconista não utilizará apenas uma linguagem de respeito, mas uma linguagem de modéstia. Na linguagem de modéstia, a maioria das ações dos verbos são atribuídas à pessoa que ouve. Para explicar isso, eu teria que dar uma longa explicação sobre gramática, mas é tipo assim: com a sua permissão, eu vou abrir a caixa do sapato. A ação da pessoa que fala sempre depende da pessoa que ouve. Em alguns casos, existem completamente verbos diferentes para falar de si próprio e para falar da pessoa que ouve, algo semelhante à conjugação dos verbos em português.

Quanto eu sei de japonês?

Quem está lendo, pode estar agora se perguntando, mas até onde ele domina o japonês? Eu diriaque ainda falta muito! Demorei um ano inteiro para começar a falar. Embora eu estudasse muito, não conseguia ligar as palavras para falar algo que fizesse sentido. De repente, eu comecei a entender algumas coisas que eu ouvia e a ter a capacidade de formar frases simples. A partir daí, eu abandonei o inglês (que eu vinha usando para me comunicar com os japoneses). Mesmo assim e, mesmo depois de 3 anos, eu ainda tenho dificuldades para me expressar. Na verdade, eu tenho dificuldades para me expressar em qualquer língua. É difícil colocar os pensamentos em palavras. Além disso, quando quero falar de assuntos não triviais, sinto que não tenho um vocabulário suficiente. Às vezes simplesmente não consigo transmitir o que eu queria.

Além dos assuntos difíceis, eu tenho dificuldades para explicar sensações e descrever formas e sons. É que, para isso, os japoneses geralmente utilizam uma classe de palavras chamada gitaigo e giongo (honomatopéia). Por exemplo, em vez de dizer que está chovendo forte, o japonês diz que está "chovendo zaaaa"; se for uma garoa, estará "chovendo parapará"; em vez de dizer que dormiu profundamente, diz-se "dormi guuu". Além disso, as honomatopéias japonesas não correspondem às brasileiras. Por exemplo, o clique da câmera fotográfica é kashá; a voz do cachorro é wan; o barulho do trovão é gorogoro, etc. Por isso me faz falta ter sido uma criança no Japão! É difícil de aprender essas palavras depois de grande, sem uma mãe para ensinar.

Quanto à pronúncia, como eu disse, embora simples, há certas diferenças. Além da diferença na entonação. Eu me esforço para pronunciar corretamente as palavras e fazer uma entonação correta nas frases. Mas, ouvindo a minha própria voz, eu percebo o quanto eu tenho sotaque. Especialmente quando eu tenho que fazer esforço para lembrar as palavras que eu preciso usar para dizer o que eu quero. Por isso, dependendo do assunto, a minha pronúncia e entonação ficam melhores ou piores. Em especial, tenho orgulho da minha pronúncia ao mostrar os quartos para os hóspedes do meu trabalho de mensageiro de hotel. Como eu uso sempre as mesmas palavras, não preciso pensar enquanto falo. Outro dia, um hóspede chegou a perguntar se eu fui criado no Japão! Mas basta me perguntarem alguma coisa fora do comum, para eu me embananar todo e mostrar o mais horrível dos sotaques.

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Tatemae (建前) 

Essa é um dos aspectos mais polêmicos da cultura japonesa, tanto para os estrangeiros, quanto para os próprios japoneses.

Tatemae descreve uma característica tão peculiar da cultura japonesa, que não não há tradução para esta palavra. Refere-se à maneira como as pessoas se comportam e as coisas que elas falam em público, apenas para atender às exigências da etiqueta; muitas vezes contrário ao que pensam e à forma como gostariam de agir. Por isso, muitas pessoas têm a impressão de que os japoneses são falsos: parecem extremamente educados, mas não estão agindo de acordo com o que pensam. Ora falsos, ora sem-opinião. Como a etiqueta não permite que as pessoas falem o que estão pensando, a não ser em ocasiões adequadas, os japoneses dificilmente falam as suas opiniões abertamente; dá a impressão de que eles simplesmente não pensam. No Japão é consenso que "falar suas opiniões abertamente é ser infantil". Adultos não falam abertamente.

Por outro lado, esse comportamento confere uma atmosfera de paz ao Japão. Não há disputas. As pessoas falam e agem como devem agir, respeitando os outros a seu redor e as organizações a que pertence. Ao mesmo tempo que por fora se sente essa paz, muitas pessoas vivem uma guerra interna. Não é tão sofrido como seria dentro de uma cultura onde as pessoas falam abertamente, extamente pela solidariedade e compaixão que existe nesse ponto. Todos estão fazendo isso; todos estão sofrendo com isso. Logo, o sofrimento individual fica reduzido.

Muitos estrangeiros interpretam o uso do tatemae como falsidade. De fato seria se fosse usado por uma pessoa apenas, isoladamente. Mas como é um costume, uma regra de etiqueta e todos usam, não pode ser considerado uma falsidade. Há um entendimento mútuo entre as pessoas. Quando alguém usa tatemae, as pessoas ao seu redor geralmente sabem do que se trada. Eu digo geralmente, porque às vezes, mesmo os japoneses não são capazes de distinguir entre palavras e gestos sinceros e os movidos apenas pelo "protocolo". Mas, o mais interessante nisso tudo é que não importa. Não importa se o seu gesto é sincero ou não. O importante é o gesto em si, e esse é levado em consideração.

Pode-se então dizer que o tatemae torna a sociedade japonesa extremamente complexa. Isso é verdade e, para agir corretamente no Japão, é necessária muita educação. Ao mesmo tempo que as regras são complexas, a relação entre as pessoas se torna extremamente simples. Basta agir de acordo com as regras e não terá problemas. Ninguém vai questionar a sua sinceridade. Ela não é importante.

É desnecessário dizer, mas trata-se de regras de etiqueta, para serem usadas entre estranhos. Portanto, quanto maior a intimidade entre as pessoas, menos serão utilizadas essas regras. Até o ponto mesmo de serem realmente consideradas falsas as pessoas que insistem em utilizá-las entre amigos.

Quem leu até aqui pode estar pensado: "Como os japoneses são estranhos!" Se isso aconteceu, eu não consegui ser claro o suficiente. Os japoneses não são estranhos. Para provar, vou dar um exemplo de tatemae utilizado no Brasil. Quando alguém é convidado para uma festa de aniversário, é obrigado pela etiqueta a levar um presente. Mesmo sendo obrigação do convidado levar um presente, o aniversariante, ao recebê-lo deve dizer: "Ah! Não precisava! Muito obrigado!" e, por mais constrangedor que seja, deve abri-lo imediatamente. Ao abrir o presente, o aniversariante deve dizer "Muito obrigado! Era exatamente o que eu precisava!", por mais que tenha odiado o presente e esteja pensando como vai fazer para jogar fora aquela bujiganga que ganhou.

Quanto menor a intimidade entre o aniversariante e o convidado, maiores serão as obrigações relativas a etiqueta. Uma pessoa que não conhece o aniversariante muito bem, não deixará de levar o presente e de dizer coisas do tipo "Meus parabéns! Muitos anos do vida! Que Deus te ilumine e te dê muito sucesso!". Nem mesmo o convidado do convidado, quem nunca viu o aniversariante escapa de ter que dar os parabéns hehehe. Por outro lado, quando maior a intimidade, menores serão essas obrigações. Aos verdadeiros amigos do aniversariante, não se exige mais do que a sua presença na festa. Não precisa levar presente, nem dar discurso de parabéns.

Como no Japão, embora seja uma falsidade completa, se essas regras de festa de aniversário não forem cumpridas, será considerado uma grande falta de educação. A diferença é que aqui existem muito mais situações em que é necessário cumprir protocolo. Eu acredito que na França, berço da etiqueta ocidental, também haja muitas situações semelhantes. Por isso, eu gosto de dizer que o tatemae, ao invés de expressar falsidade, mostra como o Japão é uma civilização altamente desenvolvida.

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Giri (義理) 

Não tem tradução para esta palavra. No dicionário consta como “senso de dever”. Freqüentemente, esta palavra aparece jundo com uma outra: ninjo (人情), que quer dizer algo tipo “sentimento humanista”.

São palavras que descrevem antigos valores japoneses, que, dizem, estão sendo cada vez mais esquecidos nos dias atuais. Poranto, quando se fala em girininjo (義理人情) é uma coisa boa que existia no Japão e que aos poucos está desaparecendo.

Sinceramente, eu ainda não entendo muito bem o que é Giri. Quando eu pergunto para os japoneses, eles não conseguem me explicar muito bem o que é. Essa palavra se refere ao sentimento de obrigação que fica quando alguém nos faz um favor. Quando um japonês recebe um favor, ele não vai sossegar enquanto não puder fazer alguma coisa para retribuir. Pelo menos é isso que eu entendi até agora..

Mas o que me motivou a escrever sobre giri não foi o significado da palavra em si, mas uma conseqüência que essa regra de traz sobre a relação entre as pessoas. Como a pessoa é obrigada a retribuir os favores que recebe, os japoneses fazem de tudo para não receberem favor e evitar essa obrigação. É o contrário do que os brasileiros fazem. No Brasil também, quando as pessoas recebem um favor, tantam retribuir, se possível, sem fazer nenhum esforço sobre-humano e sem se sentirem tão responsáveis. Isso faz com que a troca de favores crie laços entre as pessoas. No Japão, a obrigação da retribuição é levada tão a sério, que é praticamente impossível utilizar essa tática para fazer amigos.

Para dar um exemplo mais concreto, o japonês dificilmente aceita que alguém lhe pague uma bebida ou uma refeição. Isso criaria a obrigação de ele pagar outra cerveja num outro dia. Ele teria que deixar os seus afazeres para planejar uma ocasião para tal. No Brasil, pelo contrário: dá para sair com os amigos sem ter nenhum pila no bolso e vai ter quem pague para a gente. Quando a gente tiver dinheiro, paga para quem não tem e pronto. Sempre tem alguém que sai no prejuízo, mas ninguém se importa muito com isso. O importante é o tempo que passamos com os amigos.

Não que o japonês não se importe com os amigos, mas o significado dessa palavra (amigo) em si também não é exatamente o mesmo. Isso é assunto para outro artigo! Além disso, a situação acima vale mais para meros conhecidos. Quanto maior a intimidade, menor a obrigação. Bons amigos japoneses agiriam da mesma forma que bons amigos brasileiros. Sem obrigações, não há problemas nem em fazer favores e muito menos em recebê-los.

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Meiwaku (迷惑) 

Meiwaku é uma palavra japonesa que é definida pelo dicionário como incômodo. Nada de especial nisso. O interessante é o quanto eles usam essa palavra e o significado que ela tem para eles.

Na verdade, causar incômodo é meiwaku, mas existem outras coisas que também o são e não necessariamente causam incômodo. Aliás, em japonês incômodo, no sentido de atrapalhar, diz-se jama e não meiwaku. Meiwaku é qualquer tipo de mal, incoveniência, vergonha, preocupação, etc. que se possa causar a terceiros. E certamente, uma das coisas que o japonês tem cuidado na vida é para não causar meiwaku aos outros; algumas pessoas chegando ao extremo de cometer suicídio para garantir que não causarão meiwaku aos outros. Vou tentar explicar, dando exemplos e separando por alguns sentidos comuns que a palavra pode ter.

Incômodo

Meiwaku nesse sentido é uma coisa bem familiar para nós. A palvra é muito utilizada em placas na rua. Exemplos:

Essas mensagens parecem um pouco esquisitas para nós, porque elas acrescentam uma justificativa para cada coisa que proibem. Isso é uma característica da língua japonesa que eu vou comentar outro dia.

Vergonha

Embora o brasileiro não se importe tanto quanto os japoneses se está causando incômodo aos outros, também não dificuldade nenhuma para entender que as situações acima em algum grau causam incômodo. Mas, no Japão, esse conceito vai mais longe. Por exemplo, um estudante representando uma escola numa maratona. Como qualquer ser humano nessa situação, ele vai treinar e se preparar antes da competição. O estudante japonês também, porém com muito mais dedicação, para garantir que ele não vá causar meiwaku à escola e aos colegas. Se, mesmo dando tudo de si, ele não tiver um bom desempenho, é provável que peça desculpas publicamente à instituição (escola) e aos indivíduos (os colegas) pelo possível meiwaku que possa lhes ter causado. Mas se ele fez tudo o que podia, por que ainda ele é culpado de trazer vergonha sobre a escola? Ele poderia ter cedido a posição de representante da escola a outra estudante.

O caso acima é difícil de entender porque a maneira de raciocinar do brasileiro e do japonês é diferente. No Brasil, a responsabilidade pelo bom desempenho na maratona é de toda a escola, recaindo especialmente sobre o treinador e o diretor da escola. Se o estudante tiver feito um esforço razoável, mesmo que tenha um péssimo desempenho, será prontamente perdoado pelos colegas e não haverá necessidade de desculpar-se. Se, na escola, houvesse outro aluno com capacidade superior ao que participou da maratona, a culpa da derrota recairá sobre o treinador. Em caso de vitória, a alegria é da escola toda, mas o mérito é individual do aluno. Em suma, no Brasil as responsabilidades são coletivas, mas os méritos são individuais; no Japão as responsabilidades são individuais e os méritos são coletivos. Para explicar isso, preciso escrever um artigo sobre a importância do grupo sobre o indivíduo no Japão.

Preocupação

Há alguns meses atrás um jovem japonês foi seqüestrado e assassinado por terroristas no Iraque. Posteriormente, a família do falecido pediu desculpas publicamente pelo meiwaku que causou ao país. Eu assisti pela tevê esse pedido de desculpas e achei normal, porque eu vejo isso todos os dias ao meu redor. Somente depois que eu li uma reportagem num jornal brasileiro, que comentou o fato num tom de crítica (à cultura), eu percebi o quanto aquele gesto não é normal nas culturas ocidentais. No entanto, se o autor dessa reportagem entendesse um pouco da cultura japonesa, acredito que não teria nem comentado o assunto. Digo isso, porque não necessariamente a família sentiu que causou incômodo ao país, mas a situação exigia essas palavras dos familiares. Para entender melhor o que eu quero dizer, leia o artigo sobre tatemae.

No caso acima, mais do que um incômodo, o jovem causou uma preocupação ao povo japonês. O que caracterizou o fato acima como meiwaku foi que o jovem não atendeu às recomendações do governo japonês. Ninguém tem dúvidas de que o Iraque é um país perigoso para estrangeiros, especialmente os cidadãos de países que enviaram tropas para lá. O governo japonês vem recomendando que os cidadãos japoneses não entrem no Iraque, sob qualquer pretexto. O referido jovem desobedeceu às recomendações do governo e colocou a própria vida em perigo, causando um sério problema para o governo e uma preocupação para todos os cidadãos japoneses.

É semelhante ao caso do francês que escalava prédios e apareceu no fantástico uma vez. Onde ele ia, era preso. Porque, mesmo nas culturas ocidentais, não é aceito que uma pessoa deliberadamente coloque a sua vida em risco. O fato de fazer com que a polícia e/ou os bombeiros sejam mobilizados, é sem dúvidas um incômodo para a sociedade. Até mesmo porque os bombeiros, por exemplo, podem estar deixando de apagar algum incêndio e salvar vidas para proteger a vida de um sujeito que só quer atenção.

De maneira análoga, os filhos que não obecem aos pais, lhes causam meiwaku. Especialmente quando se envolvem em acidentes ou com a polícia.

Alguns exemplos

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Terremoto 

Muita gente pensa que terremoto no Japão e tão comum que os japoneses estão acostumados. Eu também achava isso, mas não é bem assim. Não tem como se acostumar com terremoto. Não é como tufão, que você sabe onde ele está, para onde está se movendo e, quando e como vai chegar.

Ainda não existe tecnologia capaz de prever quando e onde a terra vai tremer. Pode tremer agora mesmo e o teto cair na minha cabeça. Não se sabe! Por isso, sempre que a terra treme, é um susto. E não é uma sensação boa.

Aqui em Quioto não tem muito terremoto. O terremotos mais fortes que eu já experimentei foram de pouco mais de 4 graus na escala japonesa. Assusta, mas não é suficiente nem para fazer livros caírem da estante. A sensação varia um pouco conforme o tipo e a intensidade do terremoto, mas é bem semelhante ao balançar de um trem ou ônibus. Quando o epicientro é próximo, sente-se primeiro uma vibração vertical, seguida de um balançar lateral. Embora pareça com o balançar do ônibus, há uma grande difereça: o mundo é que está balançando. Não tem para onde fugir, nem como pedir para “desembarcar”. É assustador e ao mesmo tempo emocionante! Mas ao mesmo tempo, é sempre uma experiência que não se quer repetir.

Sendo terremoto uma coisa tão comum no Japão, os japoneses não têm outra alternativa senão aprender a conviver com esse fenômeno da natureza. Não há como evitar os terremotos, mas há muitas medidas simples e efetivas que podem ser tomadas para pelo menos proteger a vida dos cidadãos. Esse é um assunto que sempre é abordado na televisão japonesa, tanto em noticiários, como em documentários e até em programas de variedade. Entre as medidas simples, pode-se citar: amarrar os móveis na parede; não obstruir as saídas da casa; fechar o gás quando sair de casa e quando for dormir; não guardar objetos que possam causar ferimentos em locais altos. Algumas prefeituras e empresas oferecem também um serviço, gratuito, de inspeção de residências, oferencendo sugestões de como melhorar a resistência da construção a terremotos. Esse serviço é importante principalmente no caso de construções mais antigas, que, quando foram construídas, não houve preocupação especial com a resistência a terremotos. As construções mais novas, quando não há fraude na empreitada (e muitas vezes há), já são preparadas para resistir a terremotos de 8 graus.

O efeito de todas essas medidas preventivas fica bem claro quando se compara um terremoto no Japão com um terremoto de mesma intensidade em outro lugar do mundo. No último terremoto forte que atingiu a Província de Niigata no ano passado, fez pouco mais de 30 vítimas, sendo que a mairia das mortes não foi resultado direto dos tremores de terra: alguns idosos morreram “susto”; outras pessoas morreram de Síndrome da Classe Econômica por passarem muito tempo dentro do carro. Quando um terremoto de mesma intensidade atinge a Índia ou a Turquia, dezenas de milhares de pessoas morrem, muitas soterradas em escombros.

No Brasil não há terremotos e, por isso, os brasileiros não entendem como os japoneses conseguem viver num país onde a qualquer instante a terra pode começar a tremer. Os japoneses por sua vez também não conseguem imaginar como é que os brasileiros conseguem viver normalmente em cidades onde a qualquer instante os cidadãos podem ser assaltados na rua, ou podem ter as suas residências invadidas por bandidos. A comparação não é perfeita, mas vale a mesma regra. Quem se previne, dificilmente será assaltado. Basta não andar sozinho em lugares escuros e com pouca gente, não carregar objetos que chamem atenção, trancar o carro e não deixar nada à vista no interior, trancar a casa e avisar os visinhos que saiu, etc.

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Palavras japonesas 

A língua japonesa é muito diferente da portuguesa. A ordem das palavras na frase é oposta à ordem que nós utilizamos. Apesar de os verbos não são conjugados para cada pessoa, praticamente não se usam pronomes pessoais. O sujeito oculto em japonês é oculto mesmo! Só pode ser entendido pelo contexto. Mas a gramática não diz tanto sobrea cultura quanto diz a semântica das palavras.

Algumas palavras em português têm um correspondente exato em japonês. Por exemplo, “branco” se diz “shiro” (白) em japonês e quer dizer exatamente a mesma coisa. Já a palavra para azul, é confusa. Azul se diz ao () e verde se diz midori (). Mas, quando uma fruta não está madura, eles dizem que está ao (azul!?). Quando abre o sinal de trânsito, também, diz-se que o sinal ficou ao.

O oposto também é verdadeiro. É difícil de explicar em japonês o signifciado de certas palavras em português. Por exemplo, um dia um japonês que estuda português, me pediu para eu explicar para ele o que significa a palavra merecer. Não foi fácil!

Estes são exemplos simples de como muitas palavras em japonês não têm um correspondente exato em português e vice-versa. Nos próximos artigos, eu vou explicar algumas palavras com significados mais complexos e que dizem muito sobre a maneira de pensar e se comportar dos japoneses. Nesses artigos, eu vou utilizar uma palavra japonesa como título.

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Introdução 

Eu vou escrever aqui coisas que me chamam atenção no Japão, principalmente com relação ao modo de pensar e de se relacionar dos japoneses. Onde for adequado, pretendo traçar paralelos e fazer comparaçoes com a(s) cultura(s) brasileira(s).

Os artigos não serão ordenados nem por ordem de importância, nem por ordem cronológica. Tenho muitas coisas para escrever e vou ir escrevendo conforme eu lembrar e tiver tempo.

É desdenesserário dizer, mas convém lembra, que tudo o que eu vier a escrever aqui não passa de minha opinião pessoal, incluindo os meus preconceitos e ignorância. Se não concordar ou se sentir ofendido, entre em contato comigo para eu considerar a hipótese de editar ou até mesmo deletar o artigo em questão. Sinta-se a vontade para fazer quaisquer comentários que desejar. Eu não me ofendo facilmente. Mas quem conseguir me ofender de verdade corre risco de vida!

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